Conto 4 - a sedução da sereia

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Por: moprey


Posso ser sedutora, atenciosa, carinhosa, só não me peça para ser sua, pois isto não posso fazer. 

Vivo para iludir corações quebrados, levá-los à beira do êxtase e da loucura. Tragar suas vidas para mim, enquanto percorro este caminho para sempre.

Eles não iriam amar-me sem meus encantos. Jamais suportariam ver minha verdadeira face ou abraçar meu verdadeiro corpo. Veem apenas o querem ver. E quando percebem o erro em que se meteram, já é tarde demais.

— Eu prometo que serei seu — o samurai jura para mim, eu sendo uma bela mulher, com meu corpo repousado na água. — Eu prometo por todos os deuses, pelos meus antepassados, eu vou te amar para sempre por todos os dias da minha vida.

Faço pequenas ondas com as pontas dos dedos na água, desejosa para gargalhar da promessa dele. Como ele era um homem presunçoso! Igual a todos os outros.

O homem estava paralisado de pura excitação, e eu sentia o aroma no ar do seu desejo escapulindo por sua pele. Ali, diante dele, estava eu, a criatura mais adorável que ele já tinha visto em sua vida como guerreiro. E a mais peculiar, também, eu admito. Não me ache orgulhosa ou petulante. Esta é a minha natureza. Não nasci para agradar a ninguém.

 Vejo meu reflexo na água escura do lago em que encontro-me, não realmente importando-me com o samurai apaixonado ajoelhado na relva diante de mim. A minha pele é extremamente pálida, branca como a morte. Meus lábios são carnudos e avermelhados e deles emanam os sussurros de uma canção proibida e selvagem. Meus cabelos são negros e cobrem timidamente meus seios, a grande tentação dos homens. Mas metade de seu corpo permanece dentro da água. A parte real dele nunca é exposta aos olhos da minha presa.

— Mas, me diga, o que você é? — indagou o samurai para mim. — Saia desta água e venha para os meus braços.

— Ah, mas isso importa, meu querido? — falo de forma encantadora, me desvencilhando da pergunta dele. — Alguma coisa importa além do amor? A dor do meu coração ou gritos da minha alma por você significam algo? 

Nossos lábios se encontraram. Um beijo abrasador e urgente almejado apenas por ele. Somente mais um beijo de muitos. Sei bem interpretar o meu papel. O corpo do samurai explodiu em chamas de excitação, disto eu tenho certeza.

Alcanço o pescoço do meu amante, trazendo-o cada vez mais para perto de mim, até que ele estivesse letárgico pelo beijo o suficiente para cair dentro da água. O samurai ficou atento aos meus movimentos. Nunca havia abaixado tanto a sua guarda, como quando estava em minha radiante presença. 

— Você é a minha salvação — ele disse.

Conheceu-me há poucos minutos e já está falando tolices. Logo, serei sua perdição, meu querido.

Sutilmente meus tentáculos escapam da água, e sem que ele perceba, estou totalmente no controle da situação. 

Envolvo suas pernas e seus braços, meus tentáculos grossos e escuros puxando-o para a água. O samurai não consegue lutar contra mim. 

Esqueci de mencionar mas meu beijo é venenoso, um ótimo paralisante para minhas presas.

 Um dos meus tentáculos o estrangula, ele não conseguia mover-se ou sequer pedir por ajuda. E eu, a sua amada, sua doce amada, que outrora sorria para ele com fingida ingenuidade, agora sorrio com pura malícia. Um sorriso sinistro de dentes afiados, admito, que transformara todas as minhas belas feições.

Os tentáculos, descobriu o pobre samurai, vinham do meu corpo. Vi em seu olhar confuso, repulsa por mim. Sempre acaba assim. Em verdade, metade do meu corpo era formado pelos temíveis tentáculos. Assustado, o samurai tentou agarrar a espada a fim de me ferir, mas aquele gesto não assombrou-me e fui mais rápida, arrastando-o para as profundezas da água escura, apressada para terminar com tão relutante presa.

Os pulmões do samurai se encheram de dor e seu sorriso se tornou irônico. Sua pele marcada por cicatrizes de batalha ficara azul e seus olhos permaneceram vidrados no nada. Um único soluço quebrado perfurara o tumulto e o mundo se afogara em silêncio.

— Sinto muito, mas era preciso — digo para o samurai, sem qualquer remorso.

O apaixonado amado samurai morrera afogado por aquela para quem ele entregara seu coração. Tolo mortal guiado por emoções mundanas.

Houve o silêncio frio. Recolho por fim os meus tentáculos, retornando a estampar o doce semblante tornando-me linda outra vez. As outras sereias que testemunharam a morte do samurai, se alegraram com aquele sacrifício. Suas zombarias de alegria são ouvidas por mim, mas elas sequer importam. Devoram o homem em uma fome insaciável até que não restasse mais nada. 

— Onde aquela outra estúpida foi? — perguntou uma sereia que tinha um casco de tartaruga nas costas. — Faz muito tempo que ela não compartilha um banquete conosco. Será se ela se apaixonou por algum humano?

Fofocavam a respeito de outra de nós, que tem caçado cada vez menos, e não ficara para o banquete. 

— Oh, quem se importa? Uma pena ela não ficar para o banquete. Queridinha, este samurai que você caçou estava uma delícia — sorriu a outra, que tinha cauda alaranjada com barbatanas brancas assim como uma karpa. 

— Provavelmente você deve estar nadando em orgulho por entregar um sacrifício tão perfeito. Eu sei disso, porque eu ficaria assim. Eles comem os nossos, e nós, comemos os deles.

 Em verdade, não alegrava-me com a morte que acabei de cometer. Eu sentia orgulho pelo meu bom trabalho em seduzi-los e levá-los para a morte, mas aquilo nunca deixava-me feliz. Depois de tantos anos fazendo a mesma coisa, eu estava começando a ficar cansada das falsas juras que os tolos humanos faziam a mim, assim que se impressionavam com a minha beleza. Elas logo partiram, deixando-me sozinha, satisfeitas com a refeição.

Penteava os meus longos cabelos negros, quando escutei alguém se aproximar. Era outro samurai. Outro homem que facilmente se apaixonaria por mim. Mais uma presa.

Preparei-me. A canção sedutora saiu de meus lábios avermelhados, guiando aquele que brevemente cairia em minha armadilha mortal. Eles sempre caíam. Eram como mariposas seduzidos por uma luz cegante. 

O samurai, mais jovem que o outro, se debruçou sobre a água, a fim de procurar a voz que escutara. Aproximei-me para a borda do lago, sem permitir que ele visse os meus tentáculos, escondendo-os bem na água escura. E exibindo o mais belo sorriso, o samurai olhava-me deslumbrado. Eu, a mais bela criatura que ele jamais vira na vida.

E, novamente, o ciclo se repetiria.




Pequena nota final da autora: Neste conto, decidi abordar uma sereia diferente, ningyo, a famigerada e temida sereia do folclore asiático

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Pequena nota final da autora: Neste conto, decidi abordar uma sereia diferente, ningyo, a famigerada e temida sereia do folclore asiático.

O beijo da sereia e outros contosOnde histórias criam vida. Descubra agora