Por: Eldalona
Por muito tempo, os piratas haviam caçado as sereias impiedosamente e vendiam partes do corpo delas para o mercado negro. Os supersticiosos acreditavam que a carne da sereia mantinha a juventude eterna. Mas o capitão pirata pouco importava-se com aquela ladainha. Para ele, o mais importante era a caçada. Sentia um prazer monstruoso somente ao subjugar a criatura. Excitava-se facilmente quando causava qualquer mísera dor à ela.
No mapa mostrava a localização exata de sua nova "mina de ouro". Uma ilha repleta destas criaturas. O lar das sereias. Finalmente o achara. Lambeu os lábios, sádico. Seus homens até tentavam convencê-lo a não navegar em tais águas estranhas, pois temiam que um dia aquele seria o seu fim. Ele riu, escarnecendo sadicamente dos conselhos. Afinal, quem teria medo de uma mulher metade peixe? Logo ele um capitão pirata que aterrorizava os homens, tanto no mar quanto na terra? Achou os conselhos tolos e dirigiu-se para a tal ilha desconhecida.
A névoa grossa cobria a água, tornando a visão da ilha ainda mais misteriosa. Uma voz ao longe recebeu seu navio. Um som repleto de melancolia e doçura. Um som que os levaria tanto para o Céu quanto para o Inferno. Em toda a sua caçada, nunca havia escutado uma canção como aquela.
Não vinha de apenas uma sereia, mas quatro delas, que jaziam sentadas em uma rocha molhada, cantando como uma espécie de coro sedutor.
Desviando o olhar por um segundo, o capitão do navio pirata percebeu que a maior parte de sua tripulação também estava inclinada para o outro lado do navio, os olhos sem piscar enquanto eles também ouviam a música fascinante.
— Vamos cessar a fonte desse canto, vamos, rapazes?!
Era quase como se todo o navio estivesse preso a esse novo fascínio, já que ninguém falava. Em seu torpor, a tripulação e o próprio capitão não perceberam que suas velas estavam cheias de vento e estavam ganhando velocidade.
O capitão murmurou para sua tripulação, olhando para o mar enquanto as vozes ficavam cada vez mais altas, e os homens, cada vez mais desobedientes. O Imediato foi o primeiro a atirar-se na água. Ninguém viu-o retornar à superfície pois isso não ocorreu. No lugar das bolhas de oxigênio, surgiu sangue, ele havia batido a cabeça em uma pedra pontuda escondida pela água.
Em seguida, mais sereias surgiram. As vozes antes celestiais tornando-se infernais de ouvir. Os homens jogavam-se na água, enfeitiçados, não retornando mais. Afogavam-se iludidos pelo desejo repentino que sentiam para estarem com elas. O capitão pirata gritava furioso e desesperado.
— Não as escutem! Tapem os ouvidos. Elas são demônios!
Ele não tinha ideia do que estaria esperando por ele. Pobre e tolo mortal. Aquilo era somente o começo de um grande castigo. O navio encalhou entre as pedras, porque ninguém controlava o timão no momento. O navio ficara descontrolado assim como os homens da tripulação.
As vozes das sereias se uniram em uma trágica sinfonia. Pela primeira vez em muito tempo, o capitão pirata temeu algo em sua vida.
Nunca temeu um homem no mar, ou um homem na terra, mas temeu uma mulher. Uma mulher tão linda e arrebatadora que descrição alguma poderia chegar perto do que ele contemplava.
O longo cabelo cor-de-rosa dela, enfeitado por conchinhas e pérolas brancas, deslizava suavemente sobre os seios desnudos e perfeitos. Suas escamas nos braços e rosto brilhavam como diamantes. A cauda esverdeada e escamosa somente tornava-a um ser ainda mais místico e divino.
Ele havia caçado várias daquela espécie, subjugado, ferido, torturado e assassinado, mas diante daquela sereia, ele somente sentia um incômodo desejo carnal em tê-la para ele.
Ela continuava sentada em sua rocha, junto às suas semelhantes, cantarolando como se nada estivesse acontecendo. Os homens continuavam a atirar-se do navio de encontro à morte certeira.
Ela, a sereia que conduzia aquela marcha infernal, olhou diretamente nos olhos do capitão, bem no fundo de sua alma, como se ela soubesse o segredo maldito dele. As mãos dele estavam sujas com o sangue de suas irmãs. Ele estava louco por ela, por fim seduzido pela sua cantiga mortal. Os olhos dela, da cor do oceano mais profundo, continuavam a encará-lo.
O capitão pirata atirou-se na água, dando braçadas até ela, que permanecia serena em sua rocha, penteando os cabelos. O mar estava bravo, e ele lutava para que a água não entrasse em seus pulmões. Admirava a formosa e orgulhosa criatura que cantava apenas para ele. Seus homens já haviam se afogado para a morte. Antes, ouviram-se os gritos deles, juras profanas de amor para com aquelas que cantavam sua canção de morte, e agora, escutava-se apenas o infame silêncio.
Apenas o capitão pirata estava vivo. Admirava enlouquecido a criatura que havia lhe tirado todo o juízo.
— Cante para mim, minha deusa, cante — ordenava enlouquecido, a voz estava trêmula, os braços doíam, não conseguiria lutar contra o mar agitado por muito tempo.
Mas as sereias haviam se silenciado. A sereia de cabelo rosado olhava-o com desprezo. Poderia matá-lo somente com o olhar se quisesse. O capitão gemia de frio e dor. A canção o enlouquecera, o fizera sair de seu navio, seu porto seguro, e agora, morreria lutando contra ondas ferozes, invocadas por aqueles seres estranhos.
De onde ela estava sentada, no entanto, ela podia vê-lo lutando para se manter à tona. Seus olhos encontraram os dela novamente. Os cantos dos lábios dela se curvaram para cima em um pequeno sorriso. Ela tinha um castigo especial para aquele homem arrogante e destruidor de vidas.
Uma outra canção surgiu dos lábios dela, mas não era a mesma de antes, era aterradora, incomparável. Havia ordenado um cardume de tubarões para finalizar o serviço. O gosto de sua vingança.
O capitão pirata não podia nadar para parte alguma. De um lado, havia o vasto oceano, escuro como as profundezas de uma floresta; e do outro lado, um cardume sedento pela sua carne.
Quando ele começou a mergulhar abaixo das ondas, inutilmente, tentando lutar contra o sangrento destino, mas era tarde demais. Seu corpo estava sendo estraçalhado. Os gritos de dor dele cobriam a voz delicada da sereia. O sangue dele maculava as águas do mar. Morreu, subjugado por aquela que julgou ser sua caça. Pela última vez, os olhos dela penetraram os olhos sem vida dele, e então ela murmurou:
— Você nunca mais fará mal a alguém.
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O beijo da sereia e outros contos
Storie breviContos de sereias com corações quebrados. Projeto de antologia escrita por cinco amigas que são fascinadas por essas místicas criaturas marinhas. Livro +14 devido a descrições de nudez e violência. Postado em 05/05/2023