Águas passadas

24 5 0
                                    

Caminhava sobre a relva, respirando fundo e levando aquele ar puro aos meus pulmões afetados com a poluição da cidade.
Nada era igual aquele lugar.
Na verdade, não conseguia ver nada além de grama.
O local onde estava era branco e com pequenas coisas flutuando no ar; era como se alguém tivesse soprado um dente-de-leão gigante e suas pétalas plumadas estivessem voando por aí.
Olhava ao meu redor mas a minha visão turva não me ajudava em nada.
Fechei meus olhos para aproveitar a paz que reinava sobre o local e, consequentemente, sobre mim.
A brisa suave que vinha do norte beijava o meu rosto de uma forma revigorante, enquanto andava em sua direção.

Porém, quando abri meus olhos, nada era como antes.
A paisagem que transbordava paz e harmonia, agora transbordava sangue, literalmente.
A grama agora não tinha mais a sua coloração verde de sempre, e sim uma coloração vermelha.
Corpos estavam espalhados por todo o chão, formando um caminho, como uma pista de pouso.
O céu, que agora era visível, estava cinza, como em um temporal daqueles que arrancam as telhas das casas e às leva consigo. E a brisa que antes era suave e mansa, agora vinha com tanta força que as árvores mais fracas se envergavam.
Mas quando olhei para frente, ao longe, havia uma figura preta, que vinha lentamente em minha direção.
Um sussurro ao pé do meu ouvido fez meus pelos da nuca se eriçarem:

Fique quieta, ou ele irá te achar.

Acordei num salto, com a camiseta e a fronha de meu travesseiro totalmente ensopadas.
Minha respiração estava ofegante e acabei engasgando algumas vezes. Esperei ela voltar ao normal e olhei ao redor: estava em meu quarto.
A luz da lua que iluminava o local foi capaz de fazer a sombra de minhas blusas penduradas atrás da porta ficarem assustadoras, como se lá havia alguém que estivesse me observando enquanto eu dormia.
Um grito estridente saiu rasgando de minha garganta que ecoou pelo cômodo.

- Charlotte! - disse meu pai, adentrando em meu quarto de um jeito eufórico. - O que aconteceu?! Você está bem?!

Ao em vez de responder, apontei com a mão trêmula em direção a porta que agora estava aberta com a invasão de meu pai.
O homem grisalho virou-se em direção à mesma e cerrou os olhos para enxergar melhor no escuro.

- Filha, são só as suas blusas. - revelou, andando até o interruptor e acendendo a luz sem me avisar, acabando por me cegar. - Que, inclusive, eu pedi para você guardar no guarda roupa. - voltou-se para mim, cruzando os braços.

- Eu tive um pesadelo. - disse, tomando ar. - E quando acordei vi essa sombra estranha. Quase tive um infarto. - olhei novamente para a porta, assim que acabei de falar.

- Ora, princesinha. - chamou a minha atenção. - Não precisa ter medo dessas blusas assustadoras. - brincou enquanto me abraçava carinhosamente.

- Muito engraçado, pai. - forcei uma risada.

- Obrigado, obrigado. - disse, enquanto reverenciava como se fosse um mágico agradecendo sua platéia depois de um incrível show de mágica. - Agora vá dormir, amanhã é sábado. Aproveite enquanto pode.

- Sábias palavras. - concordei. - Boa noite, pai.

- Boa noite, Charlie.

[...]

Estava à caminho do apartamento de Lexi, que, como de costume, me chamava em alguns fins de semana aleatórios para passar o dia, e às vezes, dormir lá. Mesmo com receio de ir para lá por conta da briga do dia anterior, eu fui. - Nós já tínhamos combinado isso há uma semana atrás.
Não sabia como conversar com ela por mensagem, ainda mais depois da briga, então, se fosse para ela me mandar embora, ou me dar esporro, seria pessoalmente.

O prédio de Lexi era enorme. - Pelo o que eu meu lembro, tem uns 25 andares.
Apertei o interfone e o porteiro, James, me atendeu, com sua voz que transbordava calma, e talvez um pouco de tédio.

Silence.Onde histórias criam vida. Descubra agora