Aparição

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- Bom dia! - exclamou Anne, acordando à todos.

O sol brilhava no céu limpo, cegando nossos olhos, queimando nossos rostos e nos obrigando à passar protetor solar. A brisa suave que vinha do Leste acariciava nossos rostos gentilmente, nos dando uma agradável sensação de bem estar.
Já estávamos de pé, cada uma sentada em pequenos troncos que serviam como bancos, enquanto comíamos um cereal de milho que, por um milagre, tinha sobrevivido dentro da minha mochila durante a viagem agitada de ônibus.

- Vamos fazer uma trilha até a cachoeira? - soltou Lexi, atraindo a atenção de todas.

- Que ideia fantástica! - exclamou Judy, nos surpreendendo por ter abandonado sua expressão séria de sempre.

Sorrimos com entusiasmo e corremos em direção às barracas onde nossas mochilas estavam. Nos arrumamos e levando tudo o que poderia ser necessário durante o trajeto.
Andamos pela trilha, encarando o sol com seu brilho ardente que parecia estar nos castigando. O suor em nossas testas escorria por nossas faces. Tenho quase certeza de que esse tanto suor estava fazendo um rastro pelo caminho atrás de nós. - Uma nostalgia me veio à mente, quando minha mãe lia para mim antes de dormir a história de João e Maria, que deixavam as migalhas de pão para não se perderem. - Porém, no nosso caso era suor.
Continuamos nossa caminhada - que parecia eterna. - quando conseguimos ouvir o barulho das quedas d'água. Sorrimos e, automaticamente, saímos correndo, seguindo o som que nos servia de guia pelo mato à dentro.

A visão que tivemos foi mágica. Era como se fosse o próprio paraíso.
A água que caía fazia um ruído que acalmava os ouvidos, fazendo a paz reinar sobre nós. O arco íris que formou-se deixava tudo ainda mais bonito, era como se ele nunca tivesse saído dalí, como se ele pertencesse à esse lugar desde o momento em que a primeira gotícula de água caiu. Suas sete cores - vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. - ligavam o céu às águas cristalinas.

- Nossa... - tentei expressar minha admiração com palavras. - Isto é...

- Fantástico. - disseram Judy, Anne e Lexi em sintonia.

Após alguns minutos paradas alí admirando a vista, finalmente nos movemos e tiramos nossas roupas, ficando apenas de biquíni.
Anne foi a primeira a pular, não surpreendendo nenhuma de nós.
Rimos e logo em seguida foi a vez de sua irmã, Judy, pular. - Seu cabelo rosa ficou com um contraste maravilhoso na água.
Depois foi a minha vez, pulando desajeitadamente e engolindo um pouco de água após bater na mesma. E por último Lexi, que deu uma pirueta ao pular, ganhando aplausos de todas nós.

- Se eu pudesse, ficaria aqui para sempre. - disse Anne, prendendo a respiração e boiando, olhando para as nuvens.

Percebi que ela usava um colar delicado com algumas estrelas compondo o mesmo. Foi aí que me lembrei: quando saí do local de acampamento também estava usando um colar, que foi dado à mim por minha mãe ao nascer. Tinha um valor inestimável para mim, e eu nunca o tirava.

- Eu estava usando o meu colar quando saímos? - perguntei, colocando minha mão de onde ele nunca deveria ter saído.

- Sim. Até porque você nunca tira ele do pescoço. - respondeu Lexi, olhando confusa ao não ver o colar onde ele deveria estar. - Você o perdeu?

- Oh, merda. - entrei em desespero. - Deve ter caído na água. - comecei a olhar por cima, sem sucesso, é claro, pois o poço era fundo demais.

- Você quer que eu mergulhe e tente achar para você? - perguntou Lexi, se oferecendo para me ajudar. Pude ver a sinceridade e humildade em seus olhos.

- Não, deixe comigo. - disse, confiante demais. - As aulas de natação devem servir para alguma coisa agora. - terminei de falar, logo prendendo o fôlego e mergulhando.

Nadei até o fundo, mesmo com dificuldade e com pouco oxigênio em meus pulmões. Procurei por meu colar, olhando cada cantinho em que ele poderia estar escondido ou preso.
Foi aí que o vi, preso em um coral.
Sua coloração verde musgo predominava alí, era como se eu estivesse em um dos aquários do filme Procurando Nemo.

Puxei delicadamente o objeto, tomando o máximo de cuidado. Mas mesmo assim ele não saía.
Puxei com mais força, e mais força, até que um pedaço do coral se soltou.
Fui lançada para trás. - E lembrei-me da aula de física, onde o professor falava sobre as Leis de Newton.
Verifiquei cuidadosamente meu colar e fiquei aliviada ao ver que ele estava inteiro, mas ao ver o pedaço do coral que havia se soltado, estranhei.
Ele era diferente, e macio de mais. - Nunca tinha tocado em um coral antes mas esse tipo de coisa era familiar.

Mas, espere. Não existem corais em água doce. Pensei.

Olhei ele por inteiro e vi algo que me espantou, e me fez lançar aquele objeto longe. Uma unha. Unha humana. Virei-me para onde o resto do "coral estava. Aquilo não era simplesmente parte do lugar.

Aquela carne humana estava em decomposição em baixo da água.
Em baixo de nós.

Subi desesperadamente até a superfície, assustando minhas amigas.
Saí correndo até a beirada e me joguei em uma das pedras, sentando. - E me arrependo também, pois senti uma dor insuportável.

- O que houve? - perguntou Judy, confusa.

- Tem um corpo aí em baixo! - gritei. - Um corpo! De um ser humano!

[...]

As sirenes dos carros de polícia estavam acionadas, quebrando o silêncio assustadoramente calmo da floresta.
Em volta do lago foi colocada uma faixa amarela, impedindo qualquer pessoa de passar ou interferir na, agora considerada, cena de crime.
A ambulância que foi chamada para recolher o corpo sem vida havia chegado rapidamente, nos deixando mais aliviadas. Depois de nos dar assistência médica, os policiais fizeram algumas perguntas. Respondemos todas elas, mesmo não ajudando em nada.
No final, fomos levadas em segurança até o local de acampamento por uma das viaturas.

- Iremos embora? - perguntou Judy.

- E por que iriamos? - disse Anne, visivelmente decepcionada.

- Nós acabamos de nadar em cima de um corpo! - gritou Lexi. - Olhem o estado da Charlotte! - apontou para mim.

Eu estava sentada em minha barraca totalmente encolhida e me balançando como uma criança.
Vivia e revivia os momentos de antes em minha mente.
O corpo em decomposição enterrado e nós nadando em cima dele.
Desde o momento em que mergulhei até ver o corpo sendo retirado da água.
A coloração marrom do que antes seria um corpo, mas agora não era nada mais do que uma figura desconhecida e assustadora.

É incrível como a morte nos choca e nos deixa pensativos.
Mesmo não conhecendo aquela pessoa, me fez imaginar como ela foi parar alí, enterrada sob uma cachoeira, onde banhistas iam e vinham à todo momento.
Por que esse corpo não estava enterrado em um cemitério? Por que sua família não teve a chance de se despedir? O que aconteceu naquele lugar? Por que? Quando? Como?
Essas perguntas não poderiam ser respondidas, pois eu estava ocupada sendo​ neurótica, ligando o meu sonho bizarro com o que aconteceu na cachoeira.
Talvez eu só esteja traumatizada, ou talvez eu não esteja tão errada assim.
Li em um site que sonhos costumam nos avisar de coisas que podem acontecer na vida real. Algumas coisas são boas, outras são ruins.
Mas também existem os outros tipos de sonhos, tipo aquelas coisas que você deseja muito que aconteçam.
É como quando você é criança e sonha que ganhou um unicórnio de presente no seu aniversário.

Porém o meu sonho, ao meu ver, não se encaixava em nenhum desses exemplos, à não ser no grupo dos sonhos sem sentido e totalmente perturbadores.
Algo mais como pesadelos.

Não sei dizer ao certo, mas tem algo muito estranho nesse sonho.

E nesse lugar.

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⏰ Última atualização: Feb 19, 2017 ⏰

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