Capitulo 1

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Como disse no prólogo, desculpa ter saído tão tarde. 

Boa Leitura. >< 


Harry ­­­ - 9º C 

Lembro-me de estar deitado na neve, onde até um pequeno ponto vermelho de calor esfriaria, cercado por lobos. Eles me lambiam, me mordiam, me empurravam, me sufocavam. Seus corpos amontoados bloqueavam o minimo calor do sol. O gelo cintilava na pelagem branca de seus pescoços e a respiração deles criava formas opacas que flutuavam ao nosso redor. O cheiro  almiscarado dos pelos me lembrava cachorro molhado e folhas em chamas, ao mesmo tempo agradável e aterrorizante. Suas línguas me derretiam a pele, seus dentes rudes rasgavam as mangas da minha blusa e me arrancavam os cabelos, avançando para minha clavícula, para a vida em meu pescoço.

Eu poderia ter gritado, mas não gritei. Poderia ter lutado, mas não lutei. Só fiquei lá, deitado e deixei acontecer, observando o céu branco de inverno se tornar cinza acima de mim.

Um lobo me cutucou a mão e a bochecha com o focinho, projetando uma sombra sobre meu rosto. Seus olhos azuis penetraram nos meus enquanto os outros lobos me sacudiam para todos os lados. Me agarrei aqueles olhos o máximo de tempo que pude. Azuis. E, mais de perto, salpicados de brilhos com todas as nuances de safira e azul- claro. Eu não queria que ele desviasse o olhar, e ele não desviou. Eu queria esticar o braço e agarrar o pelo em volta de seu pescoço, mas minhas mãos continuavam enroscadas a meu peito, meus braços petrificados juntos ao corpo. Eu não conseguia me lembrar de como era a sensação de estar aquecido.

Então ele se foi, e sem ele, outros lobos se aproximaram, perto demais, sufocantes. Alguma coisas pareceu palpitar em meu peito. Não havia sol, não havia luz. Eu estava morrendo. Não conseguia me lembrar de como era a cor do céu. Mas eu não morri, Estava perdido num mar de frio, e depois renasci num mundo de calor.

Me lembro apenas disso: Seus olhos azuis.

Achei que nunca mais fosse vê-los.

Louis - 9º C

Eles arrancaram o menino do balanço de pneu que havia no quintal e o arrastaram para a floresta; seu corpo deixou um leve rastro na neve, uma trilha do mundo dele para o pneu. Eu vi tudo acontecer. Não impedi.

Era o inverno mais longo e mais frio da minha vida. Dia após dia sob um sol pálido e inútil. E a fome - fome que queimava a carroía, soberana, insaciável. Nada se moveu naquele mês, a paisagem congelada num quadro destruído de cor e de vida. Um de nós havia levado um tiro ao tentar roubar o lixo largado por alguém, então o resto do bando continuou na floresta e foi aos poucos ficando faminto, esperando pelo calor e por nossos antigos corpos. Até que encontraram o menino. Até que o Atacaram.

Eles se curvavam em volta dele, rosnando e abocanhando, disputando para dar a primeira mordida. Eu vi. Vi seus corpos estremecendo de avidez. Eu os vi puxar o corpo do menino para todo os lados, a neve debaixo dele diminuindo com o movimento. Vi focinhos manchados de vermelho. Mesmo assim, não impedi.

Eu era o chefe da alcateia - Liam e Niall deixaram isso bem claro - portanto poderia ter feito alguma coisa na mesma hora, mas recuei, tremendo de frio, com neve até os tornozelos. O menino tinha um cheiro morno, vivo, sobretudo humano. O que havia de errado com ele ? Se estava vivo, por que não lutava ?

Eu sentia o cheiro do seu sangue, um cheiro morno e brilhante naquele mundo morto e frio. Vi Stan se encolher e tremer enquanto rasgava suas roupas. Meu estômago se contraiu, dolorido - eu não comia havia muito tempo. Eu queria afastar todos os lobos para me colocar perto de Stan e fazer de conta que não sentia aquele cheiro humano nem ouvia seus débeis gemidos. Era tão pequeno sob a nossa selvageria, sob a alcateia que a espremia, querendo trocar sua vida pela nossa.

Com um rosnado e um arreganhar de dentes, avancei. Stan rosnou de volta para mim, mas minha posição era mais alta que a dele, apear da minha fome e juventude. Liam investiu ameaçadoramente para me fazer recuar.

Eu estava perto dele, e ele olhava o céu infinito com expressão distante. Talvez morto. Toquei sua mão com o focinho. O cheiro da palma da mão, açúcar, manteiga e sal, me lembrou outra vida.

Então vi seus olhos.

Acordados. Vivos.

O menino olhou firmemente para mim, seus olhos encarando os meus com terrível honestidade. Recuei, retrocedi, recomeçando a tremer - mas desta vez não era a raiva que me sacudia.

Seus olhos nos meus. Seu sangue no meu rosto.

Eu estava me despedaçando, por dentro e por fora.

Sua vida.

Minha vida.

A alcateia se afastou de mim, desconfiada. Rosnaram para mim, não mais um deles, e mostraram os dentes para a presa. Eu achei que ele era o garoto mais bonito que eu já tinha visto, um minúsculo e ensanguentado anjo na neve, eles iam destruí-lo.

Eu vi. Eu o vi. como jamais havia visto algo antes.

E impedi. 

CalafrioOnde histórias criam vida. Descubra agora