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Sábado. Meia noite. Um velho aposentado milionário tocava Tom Jobim
em seu piano, curtindo a vida e animando a noite de seus amigos e vizinhos. Lá
estava eu, com Amy, andando na ciclovia de mãos dadas. Ela, com seu chapéu
coco, toda maquiada (até exageradamente), com um sorriso que Coringa nenhum
botar defeito. Eu morava bem ali, antes de vir morar na Boca do Inferno.

Maldito Collor. Minha avó ainda estava ali, no Cantagalo, com o quarto de

meu avô ainda com o cheiro de cigarro e comunismo. Um lugar de sabedoria,

digamos.

Começou a chuviscar. Sentamos num banco, um de frente para o outro. Já
tinha tomado três chopes antes. Ela ainda não tinha nada alcoólico no sangue.

Somente a alegria de amar como nunca amara antes. Retomei a discussão
que tínhamos tido de tarde, sobre inseguranças.

Por que você me sente inseguro?

Eu sinto.

Mas entende, acabamos de sair de relacionamentos que nos marcaram.

Eu sei... Mas também tenho medo...

De que?

De não dar certo... De acabar...

Foi neste momento que tudo parou. É como se o macaquinho da

insegurança do meu cérebro tivesse escutado e chegado a uma conclusão.
Resolvei ir dormir, estava com muito chope na cabeça. Resolvemos voltar para o quiosque onde o pianista tocava. Comemos e bebemos. Bem, ela bebeu minhas

caipirinhas, e eu só vendo e sentindo o porquê. Sabia que seria até amanhã.
Sentia.

Pegamos carona com nossos amigos até a Boca do Inferno. Pegar táxi na
chuva é complicado. Até queria ficar mais, mas ela já estava se embebedando

demais. Nervosa demais. O coração dela queria falar, mas ela estava com medo.

Muito pouco tempo, ela dizia.

Muitos fantasmas ainda nos perseguindo. Mas meus fantasmas só
estavam me fazendo bem, me falando da verdade.

Paramos junto da família de gatos que vivem no térreo de meu prédio.
Sempre me sinto uma criança perto deles. Tento ir brincar com eles, mas ela

estava caindo. De bêbada. De nervosismo. O seu cérebro não a permitia falar.

Tinha que ter algo errado.

Discutimos no capô de um carro. Por que isso está acontecendo? , ela

insistia em perguntar. Por que muitos não passam por isso? Comecei a deixar meu

cérebro dormir e falar com o coração e a alma. Certas coisas são inevitáveis.
Quando se está tudo uma merda, reclamamos e ficamos com medo do futuro.

Quando se está vivendo algo perfeito, se tem medo da perfeição ser um engano,

ou acabar um dia. Foi aí que o vi numa janela de carro, sorrindo e acendendo um

cigarro. Sabia que ela ia se apavorar se eu falasse o que estava acontecendo, por

isso, somente falei com o coração. Não tenha medo de amar. São raras as vezes

que acontece coisas assim na vida. São poucas vezes que você encontra algo que

te completa. Lembrei de Procura-se Amy. No filme, tudo acabou errado por estes
medos. Não, eu não ia deixar isso acontecer.

A maquiagem já tinha saído com a chuva, e pude ver melhor ainda em

seus olhos. Mesmo lendo, precisava escutar. Eu te amo. Pronto, Escutei a

gargalhada de meu avô, feliz pelo que fizera. Ele sempre pensou que seu neto mais distante poderia ser algo. Pois ele agora é, um cara completo. Mesmo ela
repetindo que o medo diminuíra, sabia que ela ainda estava apavorada.

Quando coisas tão boas acontecem, nunca se acredita. Tem-se medo. Eu
tinha, mas não tenho mais. Um espírito que fuma me fez ver que não se pode
jogar fora as poucas coisas que se tem certeza na vida.

Fomos para o apê e o álcool tratou de nos fazer dormir em segundos. No

dia seguinte, vi o medo dela voltando. Sabia o que ela sentia, mas sei que ainda

terá que ter muita coragem para repetir o que falou sóbria. Falar de cara limpa é
sempre mais difícil. Mas eu esperarei como já esperei tanto tempo.

Sei que desta vez não me fugirá. Não deixarei. Tenho um espírito me
seguindo me impedindo isso. Quando se escuta algo que você sabe que marcou
sua vida para sempre, não se pode deixar passar. Li no jornal hoje sobre uma crise

de 25 anos. Não vou vive-la. Não vou permitir-me insegurança, só certezas. Vou
evitar os erros, não quero ver o medo vencer minha vida como vença a de milhões
de pessoas. Bilhões talvez. O poeta depressivo que jaza numa garrafa de cachaça.
Quero é o mel de uma boca que amo. Um orgasmo quântico.

Viver o certo, a vida certa que escrevi nas estrelas.

:: tommy molto ::

Por uma vida menos ordináriaWhere stories live. Discover now