Um certo capitao baleia

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TSS1 :LlorandoRebekah Del Rio

Rua Uruguai, seis e quinze da tarde. Um engarrafamento tradicional, pensava
Jorge no volante do 606. Já tinha fumado dois cigarros esperando os sinais da rua
deixarem-no passar. Finalmente, uma brecha perto do canal.

Acelerou o carro, escutando os passageiros reclamarem. Parece que não querem
chegar em casa logo, pensou. Ao fazer a curva acelerada, viu um homem, um
mendigo, parado no meio da passagem. Virou rápido em direção a subida de uma
rua e agora avistara um cachorro vira-lata andando lentamente por ela. Deu a
maior freada de sua vida. Nunca ia se permitir atropelar um cachorro.
Os passageiros reclamavam atrás, xingando a mãe e toda sua família do que era
conhecido. Trazia sua mão para dar um trago de alívio, quando a sentiu puxada
para baixo. O mendigo, com uma barba gigante, como naquelas figuras de Moisés,
puxou sua mão, pegou seu cigarro e falou-o: "Boa sorte, meu amigo. Acabou de
fazer nosso destino virar realidade.". Jorge fitou-o nos olhos, tendo certeza que o
reconhecia de algum lugar. O mendigo virou-se e subiu a rua onde o ônibus
parava em diagonal, a centímetros de um poste. O vira lata entrou pela porta da
frente e pulou no colo do motorista, lambendo toda sua cara. Ele rira e fizera sinal
para o cachorro ir embora. Ele não ia. Dava uma volta em si mesmo e voltava para
lamber seu salvador.

Como se já fosse treinado, fez sinal para o cachorro sentar entre seu banco e a
janela, o que fez obedientemente. Sentou-se com o peito estufado e com a cabeç
a virando ora para o lado, sentindo com as orelhas o vento, ora observando com
carinho Jorge. Ele sempre quisera ter um cachorro, mas sua mulher nunca o deixara. Dizia que era ruim por ter crianças pequenas em casa. Agora o filho mais
novo, Mathias, já tinha três anos talvez fosse bom ele ter um cachorro.

Foram seguindo o trajeto, escutando muitas reclamações pela freada e pelo
animal. Jorge ria como o cachorro abaixava a cabeça triste ao alguém reclamar de
sua presença. Parecia ser bem inteligente. Ao chegar ao ponto final, falou com seu
supervisor do que acontecera que evitara atropelar um mendigo e um homem e

que o cachorro não queria ir embora. Antes que levasse uma bronca por quebrar

as regras, o cachorro começou a se esfregar como um gato nele. Aquilo quebrou

todo o ataque, fazendo-o liberar o motorista para levar o cão para onde quisesse.

Morava ali mesmo no Engenho de Dentro, era uma das principais vantagens de

trabalhar nesta linha. Seus dois filhos estavam jogando bola no quintal da casa. Ao
escutarem o portão se abrindo, viraram e viram o novo amigo do pai pulando ao

seu lado, louco para entrar. O cachorro voou para cima de Gabriel, o filho mais

velho de sete anos, e começou a brincar com eles e a bola como se já fosse velho
amigo da família. "É você, Gê?", berrou sua mulher de dentro, com uma voz

estridente. Odiava como ela o chamava de Gê. "Sou, Lurdes". "Já to indo.". O pai
chegou perto de Gabriel, vendo seus olhos marcados por uma rodela roxa.

-Gabriel, o que houve? – perguntou, se ajoelhando ao lado do filho.

-Nada, pai. - respondeu ele, tentando se virar e esconder o machucado do pai.

-Foram os garotos da escola de novo?

-Não, pai, não foi nada.

-Você quer que eu faça algo?

-Deixa pai. Deixa. –e saiu correndo pra casa, deixando o cão sozinho com seu irmã

o menor, que o abraçava como um brinquedo de pelúcia.

Por uma vida menos ordináriaWhere stories live. Discover now