Suindara

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Esta lenda se passa em meados de 1850. Conta-se que uma família havia se mudado para uma casa bem simples no interior de São Paulo. A pequena cidade ficava a beira de uma floresta, conhecida por sons misteriosos projetados pela noite. Ninguém sabia de onde vinham estes sons, e muito menos alguém se arriscava a tentar descobrir. Mas uns barulhinhos a noite não assustavam a família que havia se mudado há pouco para a cidade.

Como vizinhos, tinham um restaurante que mal era frequentado, e uma senhora bem idosa, provavelmente na casa dos 80 anos. Ela era conhecida na cidade como "Conselheira", pois as pessoas acreditavam que os conselhos dela eram milagrosos. Evitaram muitos acidentes, mas nem todos obedeceram. Como uma boa vizinha, a senhora foi visitar os novos moradores, e lhes foi logo dando um conselho. "Vejam, cada um que chega na cidade tem que ir até a torre da igreja com a família inteira, sem esquecer de ninguém, levando uma pequena ave. Quando chegarem lá, devem molhar o bico da ave na água benta, fazer o sinal da cruz e voltar para casa. Pendurem a ave no telhado, de modo que não voe. Não rogo praga, mas se não fizerem isso, algo de muito ruim vai acontecer." A família não acreditou na velha, mas todos ficaram assustados e com medo de que algo realmente pudesse acontecer.

Como já morria o dia, todos se retiraram para seus respectivos cômodos para descansar da grande viagem. Eis que a meia-noite, a mãe acorda assustada, sem motivo algum. De repente, sente-se um silêncio profundo e um barulho em meio a penumbra, um barulho seco, grave e tenebroso. Apenas um segundo de barulho, e tudo volta ao normal. Pelo menos é o que a mãe achava. No dia seguinte, um grito: o caçula da família é achado morto na cama, sem indícios de ferimento, sangue ou qualquer outra possível causa de morte, porém totalmente pálido e com os olhos muito arregalados. É possível sentir a dor da mãe nessa hora. O enterro foi no mesmo dia, e lá estava a velha senhora, vizinha dos recém-chegados, acompanhando os parentes. Com calma impressionante, a velha se aproximou da mãe. "A senhora não seguiu meu conselho, seguiu? Quando esta cidade foi fundada, dizia minha avó, um grande comerciante se perdeu na floresta. Alguns dias depois, acharam o corpo dele em meio a mata, com uma coruja na cabeça. Ela não deixou o corpo ser carregado, e os moradores resolveram esquecer o caso. Desde esse dia, quem não molha o bico de uma ave com água benta e pendura no telhado, não consegue viver em paz." A mulher ficou chocada com a história e contou para o marido. Este não acreditava nessa história, e resolveu enganar a velha. Chamou-a, com um filhote de papagaio na mão, molhou o bico dele com que disse ser água benta da igreja, e o pendurou no telhado. A velha não disse uma palavra. Veio a noite, e com ela, um novo barulho. Durante dois segundo se ouviu o mesmo som grave, seco e medonho. No dia seguinte, outro grito, desta vez da filha mais velha do casal. A mãe foi encontrada morta, com os olhos arregalados e pálida em cima da cama. A cidade ficou chocada com o ocorrido. A ave pendurada na noite anterior, estava no mesmo lugar... sem as asas nem bico.

De seis pessoas na família, duas já se foram. Tomando o lugar da mãe, e a responsabilidade desta, a filha mais velha toma para si os dois irmãos e vai até a igreja com a suposta ave. O pai, cético, não aceitou ir com eles, achava isso mera crendice popular. Então, a menina molha o bico da ave em água benta e faz o sinal da cruz, e é seguida pelos irmãos. Voltam para casa e penduram a ave no telhado. A velha olha para a menina com ternura, mas o mesmo olhar não é aplicado ao pai. "Escute, meu filho. Tua mulher morreu, teu filho morreu. Conselho dado tem que ser seguido, pois se fosse em vão, não seria dado."

Na mesma noite, ouve-se um barulho na escuridão, com tempo de três segundos. A filha mais velha, por segurança, dormiu com os irmãos mais novos, porém o pai não ficou com eles. Pela manhã, um grito de agonia ecoou pela cidade. O pai estava morto, com os olhos arregalado, pele pálida e uma pena de coruja ao seu lado. No velório, a idosa acolhe as crianças. "Pronto, meus filhos. Acabou. Suindara reconheceu que vocês merecem viver aqui. Fiquem em paz." Depois deste dia, nenhuma morte ocorreu, porém até hoje é possível ver uma pena acima do túmulo do pai, da mãe e do filho caçula. Suindara só pede que você reconheça que aquele é seu território. Mesmo você não acreditando enquanto vive, não se preocupe, Suindara cuidará para que você acredite nela após sua morte.

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