Eu nunca tinha provado o sentimento de aversão, desgosto ou de repulsa por mim mesma.
Até a tragédia acontecer.
Atravessei correndo a rua da casa de Scott e parei na primeira lixeira que vi para vomitar. Meu estômago pôs tudo pra fora, e assim que terminei, me sentei por ali mesmo, lutando contra lágrimas que teimavam em querer sair. Meu corpo inteiro doía e tremia sem parar.
Mas eu merecia aquela dor?
Achei que sim. Eu havia me enfiado ali, pra começar.A culpa era minha.
E eu não tinha a quem recorrer. O que eu faria? Ligaria pra Rose? Depois da briga terrível que tivemos ontem? Jade? Depois de meses sem termos uma conversa decente sequer? Eu o denunciaria para a policia? Fora de questão. Fui parar ali porque eu quis, e tinha certeza de que não me ajudariam, ainda mais contra alguém influente como Scott. Tinha certeza de que ririam de mim.
Eu precisava deles. Sim, era deles que eu precisava.
Levantei do chão sujo da calçada e corri. Corri até perder o ar dos meus pulmões, e meus pés descalços implorarem por descanso. Corri muito, e isso só fez piorar a dor.
Eu merecia tanta dor? Pessoas como eu não mereciam uma vida feliz?
Depois de vinte minutos percorrendo a distância da casa de Scott até minha antiga casa, finalmente consegui tomar fôlego.
Avistei a casa de tamanho médio, com a fachada pintada de azul, os grandes portões com a tinta desgastada, que os dois se negavam a pintar por pura preguiça. Eu abri o portão e fui recepcionada por um jardim que há alguns meses fora bonito, mas que hoje estava totalmente destruído.
Eu entrei na sala, chamando pelos dois sem parar. A casa estava fria e escura, um completo contraste do que era antes.
Ouvi a voz calorosa do meu pai me chamar, e subi as escadas correndo, sorrindo.
Então eu parei, ao ver as caixas empacotadas no corredor.
Eu estava enlouquecendo.
A quem eu estava enganando? Meus pais não estavam em casa e nunca voltariam a estar.
Não haveria mais os sons das risadas dos dois, as danças patéticas, as broncas longas e tediantes, ou o colo que eu tanto precisava agora.
Eu estava sozinha.
Isso me fez chorar, e parecia que era a única coisa que eu havia feito nos últimos meses.
E eu estava tão cansada de chorar.
Finalmente me calei, depois do que pareciam ser horas. Me sentia morta por dentro, com um vazio terrivelmente explicável.
E eu me sentia tão, tão, tão suja. E sentia tanto ódio. O rosto de Scott pairou e eu senti meu sangue ferver. Eu havia confiado nele, havia sido tão estúpida. Me senti envergonhada e enjoada por ter sido tão ingênua.
Tomei um banho quente, me esfregando freneticamente tentando tirar a sujeira. Mas ela continuava impregnada em mim, não importava quanto tempo eu passasse ali debaixo da água, ou quanto eu me esfregasse.
Eu devia simplesmente apagar o que aconteceu, mas as cenas repugnantes não iam embora, e as marcas escuras em meu corpo também não. Ainda conseguia sentir seu toque violento e não tinha pra onde correr.
Perdi a conta de quanto tempo fiquei ali no banheiro, sentada contra a porta, e não podia mais distinguir minhas lágrimas da água ardente. E então um rápido olhar me fez notar que a água transparente se tornava rubra no chão. Segurei meu pé, e ao vê-lo cheio de furos, por onde o sangue escorria, eu ri.
Amar e confiar.
Eram coisas que eu sabia que não podia fazer novamente.
Não iria amar ou confiar em mais ninguém, além das pessoas que já faziam parte da minha vida.
Não vou me ferir novamente.
Ninguém mais teria acesso ao meu coração, pensei ao encarar minha mão manchada de sangue.
Ninguém.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Outra Metade De Mim
RomanceA vida nunca havia sido fácil para Jane. Nada havia sido fácil desde seus 14 anos, quando perdeu seus pais, e nem aos 15 quando uma parte de sua alma foi despedaçada. Seu coração se tornou um pequeno e frio cubículo, onde poucas pessoas podiam morar...