A vida é uma merda. Depois de anos e anos sabendo perfeitamente a minha função no mundo - bem, não perfeitamente, mas quase - e a que eu estava destinado, toda a minha vida e certeza são jogadas pela janela. Assim, do nada. Por causa de um maldito cara idiota que eu provavelmente nunca mais veria novamente. Parabéns, Jake. Seu viadinho de merda. Qual é o próximo passo agora? Porque você já beijou um cara, e não esquece de jeito nenhum.
Quando ouvi um som alto vindo da rua, nem precisei ver que era o carro de Sam, e levantei da cama com rapidez. Puxei da pilha de roupas sobre uma cadeira um casaco, e caminhei em silêncio até a porta da sala. Meus pais não estavam em casa, e minha irmã estava muito ocupada trancada no quarto com seu namorado imbecil, achando que eu não sabia que ele estava ali. No quarto ao lado do meu.
À medida que me aproximava das escadas na saída, antes mesmo de abrir a porta principal, ouvi meus amigos cantando junto à música, e também identifiquei uma voz feminina se misturando às deles. Uma garota? Não seríamos só nós quatro, como sempre? Talvez seja Ashley. Ou, sei lá, o próprio Kellin no som original mesmo.
Minhas suspeitas de que fosse Ashley foram confirmadas quando saí da casa e a vi sentada ao lado de Wesley no banco de trás. Ela ria, provavelmente com o fracasso dos quatro ao tentarem cantar Who Are You Now?, e falhava miseravelmente cantando com eles. Fiz uma careta ao ver uma garrafa de cerveja quase vazia em suas mãos, mas apenas continuei andando e abri a porta do carro. Joguei-me no único lugar vago, ao lado de Wesley, e já comecei a cantar com eles. E então Sam dirigiu mais.
☆☆☆
Quando chegamos no lugar, depois de mais umas três ou quatro músicas, percebi que Ashley já não estava totalmente sóbria, e Alex menos ainda. Estavam no meio de uma crise de risos sem motivo nenhum, e depois começaram a conversar sobre coisas extremamente aleatórias. Então ela puxou um maço de cigarros do bolso, e acendeu-o enquanto eles dois conversavam. Que ótimo, além de beberrona ainda fuma. Mais alguma surpresa?
Sim, teve mais uma surpresa. Wesley pediu a ela o isqueiro, e eu nem vi de onde o cigarro entre seus dedos saíra. Senti-me um pouco mal por não saber que um dos meus melhores amigos é fumante, mas ele provavelmente não fumava muito na minha presença por motivos de: odeio até o cheiro daquela fumaça cinzenta escrota. Talvez eu fosse mesmo um pé no saco, não é mesmo?
Devo ter passado tempo demais a encarar o trio um pouco distante de mim, já que Sam logo surgiu ao meu lado perguntando se algo estava errado. Ele sempre notava. Respirei fundo. Precisava muito conversar com alguém. Puxei-o para mais longe, e esperei alguns segundos até estar totalmente ciente do que faria a seguir.
- Sam, eu... eu... eu acho que... quero dizer, eu não tenho certeza se... - bufei. Não conseguia. Decidi fazer uma abordagem diferente. - Podemos falar sobre coisas aleatórias da vida até eu tomar coragem pra falar? Por favor.
- Claro. - ele sorriu, compreensivo. Não importa qual fosse a situação, Sam era sempre o melhor para conversar. - Então, amanhã eu tenho uma prova fodida de Biologia, e sei pouco mais que nada. Não lembro nem da última aula que tive. Na verdade, não sei nem se estava nessa última aula. Há a real possibilidade de ter ido em, no máximo, uma, até agora. E se eu reprovar, meus pais já disseram que me tiram daqui.
Olhei em seus olhos. Ele estava genuinamente desesperado, mesmo que tentasse mascarar com algumas risadas sem graça. Nunca demonstrava, mas Sam era um dos mais fodidos entre nós. Claro que nenhum de nós quatro tem qualquer estabilidade emocional, mas alguns realmente têm tudo pra terminar a vida rodeado por pílulas em um apartamento esquecido pela sociedade. Sam era uma dessas pessoas. Alex também, ainda que se recusasse a dizer o porquê de sempre parecer tão exausto de tudo, ou nos contar as origens de seus inúmeros hematomas inexplicáveis que vimos ao longo da vida.
- Ah, para. - sorri brevemente, tentando mostrar alguma positividade. - Você sempre se safa, e tenho certeza de que, se a professora não acabar "caindo nos seus encantos" - fiz aspas com os dedos - , você consegue arranjar a prova antes de ser entregue. Você é Sam Jackson, pelo amor de Deus! - ele riu, abaixando a cabeça.
E depois desviou o assunto. Com uma facilidade absurda, como sempre fazia. De repente, parei de entender o que dizia, e tudo ficou mudo. Eu precisava falar.
- Eu fiquei com seu irmão. - soltei. Sam congelou, e ficou durante um bom tempo boquiaberto olhando para mim, sem mexer um músculo. Provavelmente foram apenas alguns segundos, mas senti que se passaram horas.
- Meu... meu irmão? Meu meio-irmão gay? James? É sério? Jake... - ele parecia buscar palavras, com o cenho franzido e a boca ainda aberta. - James? Cara... como? Quando? Onde? Meu Deus, não...
- Sim, o James. Foi no sábado, naquela festa idiota que fomos. Eu não estava tão bêbado, já que tinha ficado encarregado de cuidar de Alex e Wesley até você chegar, e... sei lá, aconteceu. Começamos a conversar, perguntei o que ele tinha feito ultimamente, e ele me contou que tinha acabado de terminar com Tom. Ele estava mal, eu vi isso. Uma coisa levou à outra, e...
- Jake! - Sam gritou, atraindo alguns olhares daqueles que estavam ao redor. No entanto, ninguém se importou o suficiente para vir até nós. Ainda bem. - James não vale nem o ar que respira! Aquele imbecil adora brincar com os outros, e você me vai logo nele! - ele ainda falava alto, mas não tanto quanto antes. De qualquer forma, Ashley e Alex estavam muito ocupados se embebedando ainda mais, e Wesley já estava fora do meu campo de visão. - Ele é um babaca, Jake, e foi por isso que ele e Tom romperam semana passada. Ele o traiu, com um cara aleatório que conheceu na academia qualquer dia desses. Meu meio-irmão é ridículo, e de parecidos não temos nada. Não acredito que você fez uma imbecilidade dessas, francamente! - fiquei encarando seu rosto furioso, mais confuso do que jamais estivera na vida. Ele me ouviu direito?
- Sam... eu beijei um cara... e gostei. - gaguejei, tentando decifrar sua expressão. Não era muito difícil, ele estava irritadíssimo, mas porra!
- E daí? Você é gay, foda-se, mas o meu irmão?! - ele berrou as últimas palavras, e estremeci com sua voz. Sentia-me estranhamente bem. Sem pensar direito, estendi os braços em sua direção e o puxei para um abraço. Sam começou a rir, e me abraçou também. - O que você pensou? Que eu ia começar a te tratar diferente, ou a te odiar, por algo assim? Jake, você é um dos meus melhores amigos, e sempre será, não importa o que aconteça.
- Pensei, na verdade. Quero dizer... nem eu tenho certeza se aceito isso.
- Foda-se! Você aprende a aceitar, assim como todo mundo. - ele riu, colocando a mão sobre meu ombro, abraçando-me de lado. Fomos andando até Ashley e Alex, que já estavam praticamente deitados um em cima do outro sobre uma pedra. Seus rostos avermelhados indicavam que lágrimas recentes passaram por eles.
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Hurricane • PROJETO BADLANDS •
RandomAshley, revoltada com tudo e todos à sua maneira, é forçada a se mudar da cidade onde nascera e crescera, na Austrália, para o Brooklyn, com 16 horas de diferença. Tinha tudo pra ser um desastre. De certa forma, foi. Mas tudo acaba tendo um lado bom...