Perda Irreparável

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"Era sábado à noite, final de novembro...
"Li!! Sei que já tá de noite, mas meus pais vão passar a noite fora, num casamento aí, mas, eu não quero ir. Cê quer dormir aqui em casa?"
Foi o que me perguntou, Rafaela, a minha eterna melhor amiga.
"Até queria, mas nem dá, tô doente e não posso nem pensar em sair."
foi o que eu disse.
"Poxa. Melhoras pra você! :)"
"Obrigadaa!! E boa sorte aí sozinha."
"Preocupa não. Não vai acontecer nada. E meus pais deixaram tudo ok. É só relaxar e aproveitar a paz."
"Se você diz, né..."
"Depois faremos planos pro seu aniversário, hein!"
"Aguardo! Até mais, baby!"
"Até!"
E essa foi nossa última conversa...
Naquela mesma noite, acordei... Havia algo de errado, eu sentia... Levantei-me e apoiei-me na janela com um turbilhão de pensamentos em confluência simultânea somados à febre que insista em aumentar. Preparava-me para voltar a dormir quando avistei um caminhão do corpo de bombeiros. Se àquela hora eu suspeitasse do que se tratava, eu teria feito de tudo, exceto dormir.
.
.
.
—Como diremos a ela?
—É melhor com calma, querido.
Acordei de manhã e era isso que ouvia meus pais dizerem no corredor em frente ao meu quarto. Comecei a me preocupar, até que eles entraram no meu quarto, visivelmente preocupados.
—Aconteceu algo?? –perguntei sentando na cama.
—Aconteceu, filha. –disse meu pai –Não queremos te afligir mais, então, vamos direto ao ponto: Houve um incêndio ontem, no quarto da Rafa.
—O quê??!!
—Filha, calma! Ela... –tentou falar, minha mãe.
—Calma?? Como podem me pedir isso depois de dizer uma coisa dessas?? Como ela está? Tem notícias?
—Ela foi levada ao hospital, e...
—Me leva lá! Agora! Por favor! Preciso saber dela!
—Mas você mal levantou, não quer se alimentar antes??
—Pai! Por favor! Me leva lá!
—Tudo bem, então. Troque de roupa.
Peguei a primeira roupa que vi, e saí do quarto às pressas. Entrei no carro com o coração a mil. Tinha de saber de Rafaela!
Chegamos ao hospital e saí do carro rapidamente para falar com Cristina (mãe da Rafa). Quando a vi, ela chorava desesperadamente, fiquei com medo do que aquilo podia significar e, infelizmente o meu pensamento mais terrível se confirmou.
—Tia Cris... A Rafa...?
Ela não disse nada, apenas me abraçou chorando, virei o rosto para Bruno (pai da Rafa), que, também chorando, apenas assentiu. Fiquei completamente transtornada, sem chão. Procurei uma cadeira perto para sentar-me, do contrário, cairia por tamanho baque. Minha melhor amiga, minha confidente... Morta. Como aguentar isso? Como? Como era possível? Eu simplesmente não acreditava!
—Lice, calma, meu anjo! –disse Bruno.
—Como, tio? Como aconteceu? –foi tudo o que eu disse.
—Ontem à noite, Cristina e eu saímos para uma festa de casamento para a qual ela não quis ir.
—Sim, ela inclusive me chamou para dormir lá pra fazer companhia, mas não pude ir.
—Exatamente. De acordo com os vizinhos, faltou luz no bairro no fim da noite, ela acendeu uma vela no quarto, que caiu no chão, espalhando o fogo. E com aquela mania de dormir trancada, é provável que, no desespero ela não tenha conseguido sair para chamar ajuda. Nosso vizinho de lado foi quem nos ligou, e ligou também para os bombeiros dizendo o acontecido. Voltamos pra casa às pressas, mas esse mesmo vizinho já havia trazido-na aqui para o Hospital, quando chegamos ela tossia muito e apontava para as queimaduras. Alguns minutos depois, infelizmente, era tarde demais para ela fazer qualquer coisa.
Se ele disse algo depois disso, já não sei dizer, pois eu só conseguia chorar, punha as mãos nas têmporas tentando amenizar a dor de cabeça que já começava. Sentia a febre voltar de novo, mas esse era o menor dos meus problemas. Fui para casa completamente abalada, àquela altura do campeonato, nada me acalmaria.
Comi pouco durante todo o dia, a lembrança de Rafa comigo aparecia a cada instante.
Acompanhei desde o velório até o enterro com uma profunda dor no coração. Sentia dentro de mim um enorme vazio. Era um momento difícil e todos sabiam, e ver os pais dela naquela situação, só me deixava pior.
Questionava a mim mesma a cada instante: "E se eu tivesse ido?" "Teria mudado algo?" "Eu teria impedido?" Agora eu não poderia descobrir. Era tarde demais."

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