24 de Dezembro
Tudo correu conforme o planeado, chegaram à Câmara Municipal à hora marcada, encontrando um enorme grupo de pessoas com uma camisola branca por cima das suas roupas, e foram ter à cidade dentro de uma de outras tantas carrinhas azuis da suposta Associação local. Durante a viagem reinou as histórias de família de anos anteriores nesta época, planos para o ano que se avizinhava, cantigas em tom desafinado que levavam a muitos risos e um enorme convívio. Porém toda esta suposta alegria foi substituída por um sentido de sensibilidade ao ver tanta gente nas ruas, embrulhadas em cobertores velhos, deitadas em cima de cartões e muitas delas cheias de frio. As tarefas foram divididas em grupos. Ishii e Elisa começaram por distribuir agasalhos - roupas e cobertores - enquanto que os outros davam os jantares e convidavam as pessoas a se juntarem numa roda em volta do fogo que fizeram dentro de uma lata enorme de metal.Um homem destacou-se no meio daquela pequena multidão que se começava a juntar, este tinha a sua refeição no colo e estava sentado ao longe. Ishii avisou a sua mãe para vigiar a Floris enquanto que ele via o que se passa com o senhor. À medida que este se aproximava, reparara no seu rosto abatido, parte do que parecia ser do seu cabelo castanho que estava um pouco escondido pelo gorro preto na cabeça, as suas roupas estavam remendadas e carregavam um castanho sujo. Ishii sentou-se com cuidado perto do homem, com receio que este pudesse reagir mal e fazer alguma coisa, que o acolheu com um sorriso fechado.
- Senhor, porque não se quer juntar a nós e conviver?
- Aprendi que os convívios são maus, principalmente quando estás rodeado por várias pessoas.
- Como assim?
- Deixa-me contar-te uma história, a história de um homem com quase 50 anos que veio viver para o relento. - suspirou. - Eu já fui rico sabes? Milionário até, tinha tudo o que alguém poderia querer: casa, família, amigos, comida, carro e vida económica estável. Porém o dinheiro começou a desaparecer, vendeu-se o carro, algumas jóias, etc. No Natal eu fazia sempre questão de reunir em minha casa todos, desde amigos a conhecidos, e fazia-se sempre uma enorme festa, mesmo quando o dinheiro já não sobrava. Os meus pais sempre fizeram questão de vivenciar alegremente esta festividade e eu ganhara o gosto deles, querendo sempre a casa cheia e oferecia a todos um presente. Num desses Natais, descobri que a minha mulher me traira com o meu melhor amigo, a minha filha tornada numa arrogante insensível, o meu filho saira de casa com vergonha de tudo o que se passara e os amigos que pensava ter decidiram partir. - fez uma pausa longa, olhando para o rapaz atento - Os dois amantes trataram de me roubar o pouco que ainda tinha e passaram o nome da minha empresa para eles com a chantagem de fazer mal aos meus filhos. Apesar de estes me terem virado as costas eles eram da minha carne e eu não podia permitir que algo de mal acontecesse. Fiquei sem nada, expulsaram-me da minha própria casa e atiraram as minhas coisas pela porta. Nos primeiros dias sobrevivi vendendo o que tinha mas depois tive que me agarrar à boa vontade das pessoas dos restaurantes da beira que ofereciam os restos, dormir debaixo de umas escadas e tentar combater o frio.
- O Senhor deixou de acreditar no Natal. - limpou uma lágrima do seu olho.
- Sim, acima de tudo deixei de acreditar nas pessoas, mesmo que nem todas me tenham feito mal. - olhou para o chão.
O rapaz não sabia o que dizer e estava sensível perante o que ouvira. Era uma história difícil de suportar, como de ter tudo se passa a ter rigorosamente nada. Ishii agarrou no seu cachecol vermelho e começou a desenrolar do seu pescoço, pegando nele nas mãos (sem antes lhe dar um último olhar) e depois o enrolar em volta do pescoço do homem que levantara o rosto rapidamente.
- E-eu quero que o senhor...
- Philipe, Philipe Mills.
- Que o senhor Mills aceite este presente, em nome de uma velha esperança de acreditar na humanidade das pessoas. Feliz Natal! - sorriu enquanto caiam lágrimas do seu rosto e recebera em troca um olhar cheio de ternura.
- Feliz Natal... - olhou para o rapaz à espera de um nome.
- Oh... Ishii, Ishii Lims.
Ao longe a sua amiga gritava pelo nome do jovem, fazendo-o apressar o passo para ter junto a eles.
- Estava a ver que não. - bateu com o pé no chão varias vezes. - Espera! Quer do teu cachecol Ruko?!
A sua irmã olhou logo e repetiu a mesma pergunta de Elisa mas não teve qualquer resposta, aliás, só em casa teve uma resposta.
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O Cachecol Vermelho (#NatalUnidos)
Short StoryIshii sempre foi um rapaz peculiar, curioso, dotado de uma inteligência e vontade própria capaz de convencer e mover pessoas. Ele não ligava a materialidade, gostava de andar pelas ruas a mostrar a sua liberdade e a procurar o que fazer para ajudar...