da natureza

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pare, por favor, só pare
pare com essa morte-geração,
com essa vida-corrupção
pare essa divisão
corpo
alma
pare de supor, de querer
pare esse ego-ísmo,
essa necessidade
pare pensamento, escrita
pare esse todo incoerente de sentir o que não quero
e tentar raciocinar o que não pode ser entendido pela razão

pare fome de outrem
pare tudo fora de ti

pare de ser um monte de coisa, fingidamente

e pare, por favor, de mentir pra si

pare incomensurável desgosto
de achar-entender a felicidade
e ainda assim,
não ser capaz de enxergá-la em si próprio

pare estômago nada fisiológico,
vontade do que não é aqui
e agora
pare tudo isso de desejar, pensar, achar
pare pútrido corpo(espaço)alma que evoluíra pro lado errado
adaptação condicionada para não viver,
para a dor, para não entender
para a crueldade

PARA, HUMANO

pare arrogância,
sensação de superioridade,
pare de culpar

e esse você-eu que não para, pare!
pois não paras apenas porque se acostumara com a dor

pare voluptuosidade inerente ao íntimo

vício-satisfação que se devora ciclicamente
e gera, da dor que o equilibra,
esta abstinência metafísica
que ópio nenhum adormece
que heroína nenhuma enfrenta
e que somente o nada explica,
pelo exemplo de sua não-existência,
o que floresce dentro de mim

quero esquecer minhas memórias
e des-fazer-me,
de novo
e de novo
em dias iguais que nunca vislumbrara antes

quero a inércia do conflito sentido,
mas não raciocinado
quero entregar-me ao que não vejo,
pois o que via foi sujo, tampado
manipulado e destruído

quero ser pedra, duende, gato
quero ser devorado
quero sentir-me cortado,
caindo
e ouvir "madeira"
quero ser rio que seca
e é abraçado pelas nuvens
quero ser fruto morto, podre, pisado,
ao chão e aos vermes
e dos vermes às aves
e das aves aos céus

quero não ter que querer
quero não precisar-saber
quero ler o mundo com o toque
quero ser chuva, tempestade
quero inundar e não me sentir mal

quero ser descuidado
ao deixar escorregar de minhas garras
o salmão que agora sou
mas apenas para morrer-alimentar
um outro urso, menos disperso
e mais faminto que o anterior

quero morar num casulo
e fugir do joão-de-barro
quero sentir o sol e não pensar sobre ele
para não me distrair com coisas cheias de calor
quero o des-mistério de ser
quero a sabedoria das árvores
quero cheirar à terra, à flores, a mato
quero ser verde, marrom, vermelho, amarelo manga
quero não pensar sobre minha forma aparente,
pois ser é maior que pensar

quero tudo ao contrário de como está,
mas sem mudar qualquer coisa, sequer
ou que eu sequer perceba,
caso qualquer coisa mude

quero deitar num ninho e gritar,
quero bater asas e cair e chorar
e olhar pra frente e correr e bater asas
e pular e cair e gritar, e sentir-me mais leve
e correr e bater asas e voar
e ora pousar,
por fim, para cantar
pois agora meu corpo flutua

quero ser vento, leve, movimento, brisa
quero ser furacão que não se forma
e só joga algumas folhinhas para o alto

quero ser a flor que ele para e beija
a estrela que jaz no fundo do oceano
quero intermináveis ondas a me levar
quero ser água salgada, areia,
o bem do mar

quero deitar em canções praieiras de pescadores que conversam com a lua

ah, a lua
quero ser sua luz de noite
e a do sol de dia
quero perseguir sua irmã undívaga
e me molhar sem dar por quê

quero ser formiga e trabalhar
mas não chamaremos trabalho
e não será dificultoso, também
pois será natural como o inverno

quero ser deserto
quero ficar seco e dar água aos poucos
quero ter cactos mágicos em minha barriga
e fazer frio à noite
quero ser tribo que me habita
ser índio que nunca viu o homem branco
ser criança que cresceu entre lobos
espírito que ficou entre o natural e o hominal

quero ser fresta entre mundos

tocar percepções com os lábios
ver o universo com as mãos

quero dançar com uma galáxia,
se ela se atrair por mim

quero nascer sem conhecer certo e errado,
sem ouvir falar de bem e mal
pois agora e infelizmente,
não posso mais esquecê-los

quero sentir dor física, fisiológica, real
e esquecer depois
e miar, e rugir, e piar, e uivar
sem lembrar, pensar, ou cogitar, o que senti
pois já não existe mais

quero ir à luz e me queimar
e ir à luz e me queimar
e ir à luz e me queimar
e cair, e não mais querer ir até ela,
pois já não tenho asas para voar

quero ser luz e viajar em oito minutos
pelo espaço vazio de humanos,
até tocar a Terra
quero me sentir onda e partícula
fótons, energia
quero nascer do sol
quero explodir e gerar e ser e me tornar,
ao mesmo tempo, tudo que existe

quero ser início, fim
e meio

quero me coçar as costas,
quando florestas começarem a crescer nelas
e sentir as cócegas que os riachos,
escorrendo pelo meu corpo,
causariam indubitavelmente
quero ver grandes lagos em meus umbigos
sentir patas, montanhas e joaninhas,
existindo em mim
quero ser o todo das partes
e parte de um todo muito maior
quero ser ciclo infinito de pura vivência
jornada inconcebível e constante
ponte eterna entre o natural e o falso-entendimento

quero ser o fim-começo do cosmos criado por uma gota de devir

a sabedoria dos passarinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora