14. O festival

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A. S.

Na manhã seguinte, enquanto Minael e eu caminhávamos até a casa de sua mãe, repassava mentalmente cada nota da música que havíamos ensaiado pouco tempo atrás; a música que estávamos ensaiando há dias para o festival de outono. Mesmo ainda faltando algumas horas para nos apresentarmos, já sentia o nervosismo me consumir constantemente. Em um certo momento, Minael parou e com os olhos em meu rosto soltou uma leve risada, refleti uns instantes tentando identificar o que o fizera rir, e então me dei conta de que mexia em minha orelha compulsivamente.

Era uma mania minha, eu nunca havia percebido até meu amigo me dizer que eu o fazia. Isso acontecia sempre que alguém me encarava a ponto de deixar-me nervosa. No momento, não era Minael quem me deixava assim, sua presença não costumava me afetar desse modo, a final nos conhecemos desde quando éramos criança, o real motivo era o fato de que mais algumas horas e eu estaria tocando na frente de centenas de pessoas, e a ideia me afetava tanto que era como se todas elas já estivessem  me encarando.

Durante nossa aula de piano, Minael mencionou o quanto sua mãe estava ansiosa para me ver novamente. Meu amigo que antes morava com o pai, agora mora com a mãe, a fim de sempre estar por perto para ajudá-la e poder cuidar melhor dela. Já fazia um bom tempo desde a última vez que havia ido visitá-la, e como saímos mais cedo da escola de música, decidi ir vê-la, não podia viver adiando isso, seu estado de saúde não ia nada bem, e talvez ela não tivesse muito tempo. Era triste pensar assim, porém era a dura realidade.

Não demorou muito para que chegássemos, a casa era tão simples quanto a minha. Na verdade, a maioria das casas da aldeia possuíam o mesmo padrão, elas foram construídas pelo rei Rafael, fundador de Ária, dadas de presente aos súditos mais desfavorecidos financeiramente, e passadas de geração a geração. O reino estava em crescimento, e as casas foram feitas o mais singelas possíveis, e os atuais donos não possuíam dinheiro suficiente para mudar alguma coisa nelas.

Minael abriu a porta e cedeu passagem para que eu entrasse, e logo depois, ao entrar, a fechou atrás de nós. Tudo estava do mesmo jeito, as paredes permaneciam com a mesma cor creme, os objetos continuavam no mesmo lugar, os vasos com lindas orquídeas, a flor favorita da mãe de Minael, espalhadas pelo cômodo. Nada parecia ter mudado desde a última vez que havia vindo.

Segui Minael até um corredor que nos levou diretamente para o quarto onde a senhora Rosalie repousava. Adentrei o pequeno cômodo e avistei-a deitada sobre a cama forrada por lençóis gastos, a mãe de meu amigo era bastante parecida com ele, principalmente pela aparência indígena. Seus olhos eram cansados, e sob eles profundas olheiras se formavam. A pele de seus lábios estava pálida, assim como a de seu rosto. Ao me ver, ela abriu um sorriso fraco, porém sincero.

— Anelise, minha querida. — Sua voz era falha. — Devo dar-lhe uma bronca por ter demorado tanto para me visitar novamente?

— Bem, a senhora quem decide. — Respondi sorrindo.

— Como a senhora está, mãe? — Disse Minael aproximando-se de sua mãe e beijando sua testa.

— Está brincando? Eu poderia ir a gerra neste exato momento. — Brincou a senhora Rosalie.

Eu admirava a mãe de Minael, mesmo doente, sem forças e sinal de melhora, estava sempre de bom humor, tentava sempre manter um sorriso no rosto. De certa forma, isso era bom para ela, uma vez já ouvi falar que o riso é o melhor remédio. Observei seu rosto contente, eu não gostava nem um pouco de pensar no fato de que talvez não lhe restasse muitos dias, mas Rosalie parecia não temer a morte, pelo contrário, parecia aceitar seu provável destino final, eu temia que esse dia estivesse muito próximo, ela era uma pessoa incrível, e sei o quanto Minael ficaria arrasado, não estava pronta para ver tamanha dor nos olhos de meu amigo.

Coração IntocávelOnde histórias criam vida. Descubra agora