28. Porto seguro

7.4K 612 417
                                    

E. A.

Era o dia seguinte à morte do pai de Anelise, voltáramos de seu sepultamento havia pouco tempo, agora estávamos na sala do rei, a pedido do próprio. Cada um com expressões definidas em suas feições. Cada um em seu próprio mundo de pensamentos e desalentos. Todos tentavam, de modos distintos, processarem os acontecidos dos últimos dias.

O monarca em seu assento usual, o semblante sério, uma clara indignação cravada nele. A rainha ao seu lado, que mesmo tentando manter a postura, não conseguia disfarçar o abatimento em seus olhos. A recente viúva, sentada em uma das cadeiras, olhos inchados, o rosto vermelho e completamente desolado. A jovem senhorita incrivelmente parecida com minha noiva encostada a ela, apoiando a cabeça em seu braço, totalmente consternada. A fada e o Nion em pé, próximos aos monarcas, ambos apinhados de frustração. E eu, acomodado ao lado de meu pai.

Há dois dias — ou pelo menos em grande parte deles — que via apenas desespero, lágrimas e desolação de alguns, raiva e frustração de outros. Senhora Sophie estava inconsolável, abalada de tal forma que, na noite anterior, precisara mais uma vez ser entorpecida por calmantes. A filha mais nova vivia em profunda melancolia, o rosto mostrava-se sempre abatido. Minha mãe chorara tristemente o ocorrido. Não era próxima ao senhor Albert, mas lamentava sofregamente sua morte, pois tinha ciência de que, por causa de Rowena, sua família jamais o teria outra vez. Por causa do ódio da irmã por ela, pessoas estavam sofrendo.

Nunca vira tanto alvoroço no palácio. Não a esse nível. Tudo isso já estava se tornando cansativo, talvez porque tais coisas não me afetassem como aos outros. Em contraste com os demais, mantinha-me indiferente, porém havia algo que ainda conseguia sentir; e também a única coisa diante disso tudo, a qual me fazia encaixar-se naqueles que alimentavam algo que não fosse tristeza: raiva.

Eu antes já desprezava imensamente a bruxa de Garden, mas agora, nutria uma ira excepcional por ela, pois suas recentes façanhas afetaram vigorosamente alguém em especial. Eu a odiava profundamente pelo que estava fazendo Anelise passar.

Ela era a única que não encontrava-se no recinto. Deu preferência em ir para o seu quarto. Anelise estava arrasada, a morte de seu pai lhe foi um choque de grandes proporções, ficara tão abalada quanto a mãe e a irmã, porém tendeu a portar-se de modo bem diferente delas. A caminho do funeral, eu a observava. Ao invés do desolamento no momento da morte do pai, seu rosto estava praticamente inanimado, a dor se fazia presente, era notório, mas parecia ter sido petrificada em suas expressões. E do mesmo modo foi ao voltarmos. Ela não derramou uma lágrima sequer. Ao passo que a família que lhe restou debulhava-se em choro.

Estávamos onde estávamos agora porque tínhamos um assunto de extrema importância a discutir: a segurança da senhora e senhorita Somerhalder. Passara-se algum tempo e ninguém ainda havia tomado palavra, meu pai com certeza estava dando um tempo à viúva para acalmar-se, antes de começar. Eu já começava a ficar impaciente, pois queria que aquilo terminasse o mais breve possível. Tinha a intenção de passar no quarto de Anelise após esta conversação, não me aguentava de ansiedade em saber como ela estava, já que não direcionou palavra alguma a mim ou a qualquer outra pessoa, além de que ia para os seus aposentos.

— Bem — começou o rei, finalmente —, este está sendo um dia difícil para todos nós. Lamentamos imensamente a perda de sua família, senhora Somerhalder. — Ele direcionou o olhar a mãe de Anelise.

A viúva, que ainda tinha a filha agarrada ao seu braço, encarou meu pai, com olhos extremamente tristonhos e assentiu. O rei em seguida virou para encarar minha mãe, que se pronunciou antes que ele continuasse:

— Não temos palavras para expressar nossa tristeza para com o ocorrido e indignação por aquela responsável por ele.

Mais uma vez estava sentido um ódio maior que o costumeiro pela bruxa, ao ver a expressão devastada no rosto de minha mãe e o modo como sua voz soava pesada. Antes de Rowena se libertar, a rainha costumava ser mais radiante. Não que agora ela fosse triste ou vivesse em extrema depressão, mas depois da fuga de sua irmã, ela tornou-se mais preocupada e apreensiva. Logo que começaram a aparecer suas artimanhas, de vez em quando, flagrava minha mãe cabisbaixa, por muitas vezes de pensamentos distantes. E algumas delas, tentando disfarçar um período de choro.

Coração IntocávelOnde histórias criam vida. Descubra agora