Capítulo 2.

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Daquele dia em diante, Jacques e eu nos tornamos amigos, ele sempre soube quem eu era, eu também sempre o via andando pela cidade durante as tardes e manhãs, analítico, nada escapava da tua percepção. Ainda naquele dia ele abriu uma gaveta grande da escrivaninha, puxou um papel velho enorme dobrado, meio rasgado pelas pontas, e um caderno com a capa feita de pano, folhas amareladas, velho, porém em branco.
Ele estendeu o grande papel sobre uma mesa única que havia no fundo da sala, pediu para que eu segurasse o caderno antigo, e foi estendendo as bordas do grande papel que se revelava um mapa com marcações distintas, e folhas do caderno velho coladas nele, e essas sim com coisas escritas nelas. Ele jogou o cigarro fora, e tomou outro cuidadosamente do maço, mantendo distância. Parecia cuidar daquele mapa com esmero, e por isso não queria suja-lo mais, foi quando ele puxou uma cadeira e começou a falar, e eu em contrapartida, ouvi enquanto analisava o mapa com minha mente infantil e limitada a imaginar aquilo tudo do tamanho de um bairro:
-Essa é a nossa cidade, como consegue ver...-pausava entre frases pra expulsar a fumaça do cigarro, falando sempre em tom jovial e irônico- Desculpe se for muita informação pra ti, mas estamos no Estado do Colorado, é uma area cheia de montanhas, Nathan, e nossa cidade se encontra isolada no meio de algumas...
-Ah... Sim -respondi confuso, ignorante de tudo, imaginava o mundo como um lugar totalmente montanhoso.
-Bem, cidades mais isoladas costumam ser mais quietas, mas a nossa está cada dia mais se tornando um ponto turístico -disse amassando o cigarro ao chão com a sola do tênis preto emborrachado- estamos crescendo além do que podemos aguentar, os postos policiais não estão bastando, os assaltos estão ficando mais habituais do que nunca...
-Aqueles homens eram ladrões..?
-Sim... Bem, eu protejo as áreas mais inseguras da cidade, essa mascara - apontava à máscara pendurada em um suporte na parede, em toda sua magestosidade alvinegra- tudo começou com um homem que me recebeu quando cheguei aqui na cidade, eu tinha uns dezesseis anos, ele forjou ela no dia que eu cheguei, e me deu de presente, me dizendo que era a máscara do herói que salvou uma família de um assasinato no Lago. Eu achava que era mentira, mas eu o via pela janelas janelas dos hotéis que ficava, ele correr sobre as construções menores... -se viu perdido em nostalgia numa breve pausa- Era ele, eu sempre soube que era o homem que me recebeu...
-E oque aconteceu com ele..?
O homen demorou a responder, levantando o olhar num sorriso sarcástico e insatisfeito.
-O mesmo que aconteceu comigo. A polícia já tinha muitas pistas de quem ele era, ficou arriscado demais continuar saindo por aí a noite, os crimes agora são mais planejados, as armas mais letais. Ele está fora de forma, e eu fora de cena.
-Mas você estava lá hoje...
-Eu estive la pra te proteger, assim como ele fez comigo. - Ele encerrou o diálogo com um olhar inquieto, estendeu o punho pra me comprimentar, e quando eu o comprimentei, ele concluiu - Mas infelizmente, Nathan, tudo que eu tenho é esse lugar, é uma academia em estado precário, eu a comprei pra usar de esconderijo, mas com o tempo ela se tornou minha casa também... Estou sem dinheiro pra sustentar uma criança por muito tempo, que tal um acordo?
O homen desembaraçou o sorriso sarcástico de outrora, se encostando no suporte da cadeira simples de madeira, me olhava de cima, superior de fato, que opção eu tinha?
-Ah... Deve valer a pena... -embora ainda inseguro, qualquer coisa se sobrepunha a dormir na rua.
-Ok, então eu te ensino tudo que sei pra você se defender da vida. E você pode ficar aqui o tempo que esse treinamento precisar, mas depois disso. Eu irei te apresentar o homem que me salvou, e quem sabe ele possa fazer algo por ti. -algo em sua voz mudou, momentaneamente ele parecia empolgado, mas voltou ao ar cético enquanto dava as costas a mim, recolhendo o mapa.
Ao passar dos meses, eu me sentia pela primeira vez na vida seguro. Ele me ensinou a me defender, nós treinavamos todas as semanas, assistiamos desenhos juntos de vez em quando, apesar de ele sempre acabar dormindo no meio deles, e visitavamos o lago que originou a lenda do homem mascarado, almoçavamos la as vezes, era como ter uma família... Mas o tempo passou e quando eu completei 9 anos de idade, meses depois, já não dava mais para minha estadia naquele lugar se basear apenas em afeto.
Ele me deu um embrulho em um pano limpo, amarrado com barbantes, me desejou feliz aniversário, sorridente, enquanto eu abria o presente, o tom de voz dele mudava:
-Nathan, chegou a hora de você ir... Com tudo que te ensinei sobre Parkour e defesa pessoal, esse é o momento... Me sinto triste por ter que fazer você ir, mas pelo menos encontrei Mark, o cara que me salvou... - Ele dizia cabisbaixo, o tom de voz dele ficava trêmulo no fim da frase, o receio em me deixar ir embora tomou conta dele, era claro, apesar dele insistir em forjar indiferença.
Quando eu finalmente abri o embrulho, vi a máscara, limpada recentemente ainda com o cheiro do sabão, e abaixo dela, o caderno velho, que também havia sido limpado, antes que eu pudesse agradecer, ele me disse:
-Não sei que caminhos vai seguir, mas quero que pelo menos tenha isso pra se lembrar de mim caso eu seja descoberto, o caderno e a máscara, são seus. -desviou o olhar dessa vez, fechou os punhos e sorriu sarcasticamente como de costume, isso me fizera entender que essas coisas não eram simples presentes
Na necessidade de não por o tal Mark em risco, eles combinaram de se ver no fatídico lago. Eu e Jacques fomos a pé, era um dia frio, mas nem os arrepios que tinha conseguiam me livrar do medo do futuro, principalmente sem Jacques, que era quase um pai pra mim. Chegamos no Lago antes do tal Mark, enquanto eu sentava na borda do Lago, Jacques agasalhado encarava as águas e a neblina formada, o ar de despedida o incomodava, ele parecia inquieto, e quando o fim da tarde chegou, ouvimos um motor de carro se aproximando, Jacques virou o rosto num meio sorriso, me encarou cabisbaixo, e disse:
-Ele chegou...

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