PASTA 1

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     Sentaram-me em uma cadeira. Seu metal frio causou-me arrepios, e fiquei me perguntando se os outros à minha frente também arrepiaram. Uma fila de cadeiras sendo movidas por uma esteira que rolava, e parava bruscamente, como um trem. O espaço era estreito, sentia a necessidade de grudar meus braços em meu tronco e encolher os ombros. A luz branca acima de nós era tão branca que tampei meus olhos com as pálpebras.

     Um ruído estranho e sem fim incomodava meus tímpanos, e tive que abrir novamente os olhos para olhar à minha frente. Tentei me esticar para os lados, mas minha cintura doía. Então esperei, entrelaçando meus dedos uns nos outros e depois soltando, como um passatempo. Fiquei refletindo e criando perguntas para passar o tempo. Por que a textura da minha pele é diferente à da minha unha?

     Concentrei-me em tirar meus pés de algemas nas pernas da cadeira, mas, quando comecei a tentar realizar tal ato, senti mãos mais geladas do que o móvel agarrarem minha cabeça e a esteira parar. O barulho monótono estava bem mais perto agora. Senti que meus miolos iriam explodir e escorrer por minhas orelhas. Mas, em vez disso, senti algo macio roçar nas minhas costas nuas antes de sumir. Caía nos meus ombros, e eu também notei que algo era passado em minha cabeça. Não era carícia.

     Até que um maço pousou em meu colo. Era cor de mel com um pouco de marrom-terra-molhada. Ousei tocar, mas a proeza fora impedida por outra mão que puxou meu braço bruscamente e deixou-o apoiado na cadeira, minha palma da mão virada para cima. Algo como um carimbo foi prensado em meu pulso, e não pude mais ver minhas veias esverdeadas no pálido da pele. Tentei procura-las em meio aos riscos negros depositados em mim – alguns finos, outros grossos -, entretanto, não obtive sucesso.

     Virei para olhar o dono das mãos que me agarraram. Eram dois. Ambos usando trajes brancos, e sem rosto. Na verdade, é claro que tinham um rosto, mas máscaras os cobriam. Máscaras cinza com treze furos entre o nariz e a boca: quatro em cima, cinco em baixo, mais quatro logo abaixo. E grandes olhos de plástico preto, me encarando.

     A luz ficou suportável de repente, assim que passei por uma porta mole. Ela abriu só com o empurrão da cadeira. Desta vez, várias camas. Elas eram como casulos. Abriam e fechavam, deixavam as pessoas lá dentro. O meu caminho foi desviado por uma esteira que virou à direita... Ou esquerda? Gostava mais da esquerda, então esquerda. Queria prestar atenção em todos os detalhes. Toda via, estava difícil enxergar. Estava ficando gradativamente escuro, e a minha visão estava embaçada.

     "Arquivo F113 registrado". Alguém disse assim que um lazer verde passou em cima das barras no meu pulso. E percebi que ali , em baixo dos riscos da minha pele, também estava escrito F113. Fui colocada em um dos casulos e por me distrair nem percebi. Mas, era notável como o silêncio era bem maior dentro das camas.

     Arrumei uma distração facilmente. Observar a grossura de cada barra negra em meu pulso. Média, fina, fina, grossa, fina, grossa, grossa, fina, média, fina, média, fina, média, fina, fina, fina, média, fina, fina, fina, fina, grossa, fina, média, fina, fina, fina, média, fina, média, fina, fina, fina, fina, média, fina, grossa, média, média, média, fina, fina.

     Fiquei repetindo a ordem na minha cabeça até que eu soubesse de cor e não precisasse mais olhar para meu pulso. Entretanto, em um momento, minhas pálpebras começaram a ficar pesadas, e não as conti. Deixei que relaxassem junto com o resto de meus músculos, e, então, ficou tudo escuro.

*

     Inalei um gás com cheiro de algo doce. Mas então o bom odor sumiu assim que a "porta" da cama onde eu deitava-me foi aberta. O local permanecia com ausência de luz, mas eu enxerguei um senhor de barba laranja e com óculos ao lado, observando o resto do lugar. Fiquei imóvel até que recebi uma ordem para ficar de pé, e eu não sabia como fazer isso. O homem da barba laranja estava levantado por causa de suas pernas. De pé. Pés. Os pés sustentavam-no. Então eu tinha que usar meus pés.

     Os movi para o lado junto com as pernas com força, e caí. Cerrei meus dentes e apertei os olhos por causa do impacto no chão. Agarraram-me brutalmente, e então eu estava de pé, como o moço de barba laranja. Iria o chamar de Homem-Laranja. Tudo nele era desta cor, menos a pele, os olhos e as roupas.

     - Senhor – alguém murmurou, então olhei para onde a voz estava saindo. Máscara. O Homem-Laranja ergueu a mão para o outro, que se calou de imediato. Um gesto para ficar quieto. Um tempo se passou até o momento onde recebemos roupas. Eram cinza e largas. Ensinaram a nos trajar em um telão. Pus a blusa e então as calças. Tinha uma coisa estranha e pequena para usar como short em baixo da calça. Mas não o chamaram assim. Era algum nome complicado, grande, com "c".

     As mangas pendiam porque não tinha músculo, carne e osso para preencher todo o buraco. Um tecido macio que nem algodão. Não fazia ideia do que era algodão, mas se parecia com algodão. Uma pessoa da minha altura não conseguiu se levantar da sua cama, e carregaram-na para uma sala, onde gritava desesperadamente. Mas, de repente, os gritos pararam e eu pensei que estivesse tudo bem. 

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