PASTA 3

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     Aprendi que nosso subconsciente é mais forte do que nosso consciente. Lá é armazenado tudo o que achamos que esquecemos. Nossa infância, como é dentro do útero de nossa mãe. Com esse pretexto, aprendemos anatomia. Juntaram todas as outras pessoas em um salão e começaram a ensinar coisas. Tinha certeza de que tinham menos pessoas do que antes.

     Ninguém conversava com ninguém. Eu não tive uma boa noite de sono, mas, não afetou em nada. Fiquei relembrando a sensação de correr e as pílulas me fizeram mal. Vomitei no chão, e não sabia se tinha algum problema, mas assim que voltei ao dormitório, não havia mais vômito. Isto me deixou com dores de cabeça e tremor, entretanto, achei que só precisava me acalmar, então foi o que eu fiz. Deitei-me numa cama. Havia um pedaço de papel que gruda em cada objeto, com seu nome.

     A cama era macia, os cobertores limpos e levemente gelados, o que diminuiu o calor que apenas eu estava sentindo. O cômodo em si, pequeno, com paredes cinza pálido e teto branco. O chão era peludo, como um cachorro – que é um animal que aprendemos nas aulas -, e estava escrito no papel: "carpete". Só que eu não sabia pronunciar. Se era carpéte ou carpête. Preferi, então, inventar uma nova maneira de falar. Cárpete.

     Fiquei bastante tempo apertando o interruptor, que fazia com que houvesse luz, e não houvesse; houvesse luz, e não houvesse. Ri e me diverti com aquilo, toda via, cansei-me rapidamente e explorei um pouco mais. Em um canto do quarto, um espelho na parede. Observei-me. Era impressionante como o reflexo funcionava, e imaginei que na verdade o espelho não era a gente vendo nossa imagem refletida, e sim nosso reflexo observando a gente de um mundo paralelo completamente igual.

*

     Avisei para a mesma mulher magra de antes que os comprimidos estavam me fazendo mal, mas ela disse que não era isso e me ignorou, dando mais dois. Descobri que a chamavam de Sra. Saihah. Antes que eu adormecesse, ela disse que eu precisaria de força e coragem. Por isso me dei conta de que eu seria terrível no Ato 3, já que não tinha músculos.

     Esperei o processo. A visão ficar turva e manchas que não estavam ali aparecerem. Logo, gritei. Gritei tão alto que senti que pudesse ecoar pela cidade. Eu estava no mesmo cenário de antes, mas não havia bomba. Civis andavam de um lado para outro, homens com mulheres adoráveis, crianças correndo. Eu me pendurava apenas com um braço no topo da... Como era seu nome mesmo? Torre Eiffel.

     Pendia tão no alto que eu não podia ouvir as vozes das pessoas lá em baixo. Eu ouvia pássaros e vento. O vento tão limpo que se transformou em um barulho vazio nas minhas orelhas internas, como o silêncio; e pelo pânico, consegui ouvir meus batimentos cardíacos. Fortes, intensos, mas não rápidos. A torre não se movia, entretanto, conseguia escutar seu ferro rangendo.

     Se meu pulso não estivesse preso por uma corda bem atada, eu já teria caído. Arfei, me balançando, e por um segundo achei que meu ombro iria se deslocar e eu cairia sem meu braço. Mas não seria possível. Seria? Gritei mais uma vez, implorando por ajuda e esperei, achando que o efeito dos comprimidos iria passar e logo eu estaria bem novamente.

     Não passou. Fiz esforço para conseguir me segurar com os dois braços, e consegui, porém não por muito tempo.

     - Papa! – exclamei, desesperada.

     No minuto em que uma ave me empurrou e eu soltei meu braço não preso, decidi parar de tentar algo estúpido e me apoiei novamente, fazendo força para por os pés em um espaço livre. Esforcei-me tanto que gemi e meus braços latejaram quando não estava mais apoiada. Só faltava eu desatar o nó da corda. Entretanto, não havia nenhum objeto cortante por perto, por isso, tentei com a mão vaga.

     Tentei até mesmo imaginar que a corda não estava ali, mas, abri os olhos e ela continuava lá.

     A mão solta sangrava quando eu terminei de desamarrar o nó. Era três nós, a corda era rígida, áspera e grossa, deixando também meu pulso machucado. Passei minutos reclamando da dor, acariciando a pele e quase chorando. Não havia acabado ainda. O que eu tinha que fazer?! Fiquei de pé, pensando e observando os indivíduos caminharem, calmos. Fumaça saía pela chaminé de uma loja, porém, não sentia o cheiro. Achei que fosse loja de pães. E acreditei que fosse.

*

     Levei vinte e um minutos e trinta e sete segundos para concluir o ato três. O que pareceu, na verdade, horas. Ainda não descobri o significado, porque eu praticamente apenas desatei uma corda que me prendia e olhei uma padaria. Sra. Saihah não gostou, e olhou-me com escárnio enquanto saía pela porta. E, tive outra consulta com Dr. Javier. Ele era engraçado, e me contou uma piada.

Um paciente com dupla personalidade foi ao psicólogo, então os quatro conversaram.

     No início eu não entendi, mas depois, ri e a anotei num mini caderno que estava no meu dormitório. À noite, quando fechei os olhos e estava dormindo profundamente, mais imagens se passaram pela minha cabeça, e novamente achei que estivesse sob efeito das pílulas. Na simulação, sentava-me em uma cadeira de madeira, mas eu era pequena, porque a mesa à minha frente era maior que eu se estivesse em pé. Xícaras estavam sobre, assim como um forro florido.

     Meu pai à minha frente, tomando algo dentro da xícara e lendo pedaços de papel cinza com letras e fotografias. Dizia alguma coisa sobre o governo, mas, não sabia ler, então acordei quando meu pai levantou e começou a brigar com algum outro homem.

     Em vez de escrever no caderno, eu desenhei o que vi. Minha mão dominante era a esquerda, a mesma que estava presa no ato 3. Deve ser por isso que prenderam ela. Desamarrá-la com a mão direita seria mais difícil. E, bom, agora me lembrei do que são direita e esquerda. Norte, sul, leste e oeste. Quando eu estava naquelas esteiras, rumando às camas de casulo, a esteira não me levou para a esquerda, e sim para a direita. Porém, por eu ser canhota, decidi que fosse esquerda.

     Escrevi sobre Dr. Javier e sobre Sra. Saihah. Desenhei-os também, com riscos e rabiscos. Sentei-me na cama depois, e observei luz vindo das venezianas não totalmente fechadas da janela. Era o sol nascendo. E ele nascia para o leste. Tornei a pegar meu caderno, e fiz uma bússola.


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