Capítulo 1 - O Diário do Felipe

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É natural que um jovem de 18 anos queira sair de casa e enfrentar a nova vida adulta, conseguir ser independente e ter uma liberdade maior, essa era a minha vontade, só que se dependesse de mim aguardaria um pouco mais, economizava para sair de casa com e decidido de qual rumo iria dar a mim mesmo. Mas nem tudo é como nós desejamos, certo?

Eu sempre fui mimado pelos meus pais e nunca precisei trabalhar, meu total foco era no futebol e nos estudos. O sonho deles era que quando eu me formasse no ensino médio, eu já começasse o próximo ano com os pés dentro de uma universidade, só que não foi o que decidi fazer. Minha mãe ficou super revoltada, pois não aceitava que seu filho não estava mais querendo estudar, e eu só queria um ano para descansar dos estudos antes de me jogar neles novamente. Ela inconformada com a minha 'revolta' se fechou comigo por dias, e não olhava para mim e nem me dirigia um "oi" quando estávamos no mesmo ambiente, e isso foi me deixando revoltado de verdade e com muita vontade de sair de casa, as atitudes dela me levava a pensar cada vez mais nisso, e não é que universo me ouviu. Lembro que naquela quarta-feira meus pais passaram a manhã toda discutindo alto e eu conseguia ouvir os gritos de meu pai dizendo:

- Julia, não tem cabimento as coisas que você está pensando, o garoto sempre foi exemplo e só está querendo um tempo de todo massacre de estudo. Ele vivia trancado naquele escritório estudando o dia todo!

E minha mãe aos berros respondendo:

- Eu não criei um vagabundo preguiçoso, onde já se viu ele abandonar tudo o que eu lutei para ele ser hoje, é um sonho que ele se forme e ele não pode fazer isso! Se ele não for naquela escola se inscrever eu o quero fora da minha casa!

- Este sonho é seu e não do garoto, você por um acaso já perguntou o que ele quer para a vida dele? Deixe-o ter um momento de paz de você. - Insistia meu pai em me defender.

- Geraldo nós começamos a estudar cedo para conseguir o que temos hoje, não deixamos as coisas para amanhã, o que será dele se não aprender que não se pode deixar as coisas para amanhã...

E toda essa discussão durou até a hora do almoço, onde meu pai mandava minha mãe deixar de ser chata, e ela dizendo que eu me tornaria um tremendo vagabundo na vida, já que eu não queria trilhar os passos que havia sonhado pra mim, e o sonho nem era meu. Até que a Bete chegou anunciando que o almoço estava servido. Ah que saudades estou da Bete, uma pequena senhora trabalhou em casa desde antes de eu nascer e sempre esteve ao meu lado se preocupando para que eu fizesse minhas próprias escolhas ao meio de todas as ordens que minha mãe me dava.

Antes de contar a grande surpresa que eu tive no almoço, preciso falar algo muito importante, mas não citado pelos meus pais e principalmente pela minha mãe. Eu tinha um irmão que desapareceu faz cinco anos, antes de seu sumiço eu era tratado como o pequeno e amoroso filho e depois que ele se foi, foi como se eu estivesse aqui existindo para ser o culpado por tudo que acontecera com ele. Felipe sempre foi muito esperto e com dezoito anos começou a faculdade de relações internacionais e a trabalhar na empresa junto com meu pai, ele era o futuro homem da família enquanto eu era a criança inocente que adorava brincar com os presentes que ganhara em todas as datas comemorativas do ano. Quando completou 21 anos, ele teve uma discussão séria com nossa amorosa mãe, e após isso decidiu vender sua parte da empresa que havia ganhado de presente de nosso pai e sumiu no mundo. Senhora Julia só faltou colocar a polícia federal para caça-lo, pois tudo que poderia fazer para o encontrar, ela fez. Infelizmente um ano após seu sumiço, nós recebemos uma ligação da guarda costeira informando que houve um acidente em uma lancha alugada, onde após trombar com outra lancha próximo a praia, começou a pegar fogo e afundou. Encontraram partes do corpo queimado, onde está irreconhecível e em um dos compartimentos de mala, um malote de dinheiro com os documentos do meu irmão. E foi aí, neste exato momento que a minha vida mudou do vinho para água barrenta dentro de casa, onde minha mãe me olhava como o culpado, o ponto onde ela poderia ser estúpida e descontar sua raiva e o meu pai ficava calado, vendo tudo o que ela fazia comigo e dizia que era a reação pela morte de um filho querido. Ela começou a melhorar, um pouco, quando eu comecei a estudar, entrei em cursinhos e me empenhava cada vez mais para conseguir uma vaga em uma universidade. Segundo meu pai, isso fazia com que ela olhasse para mim e se lembrasse do Felipe, e só por isso, ela acabava não me tratando como um zé ninguém culpado por uma morte que não tive culpa.

Voltando para nosso almoço, eu fui o primeiro a chegar na mesa e fiquei ali conversando baixo com a Bete até meus pais chegarem. Eu vi minha mãe descendo as escadas com o rosto fechado e meu pai logo atrás andando cabisbaixo e aparentava estar decepcionado, eu só não sabia se era comigo ou com minha mãe após toda essa discussão.

Todos já sentados na mesa e comendo em silêncio, minha mãe resolve falar:

- Precisamos resolver este mal entendido Caio, porque eu acredito que você não saiba a gravidade de suas escolhas para seu futuro.

- Menos rude... - atrapalhou meu pai olhando nos olhos dela.

E ela continuou:

- Você mal tem dezoito anos e já acha que pode mandar no próprio focinho, então como sempre serei direta com você, é melhor abaixar essa crista que você acha que tem e escutar a sua mãe, e ir fazer as suas inscrições para a faculdade, mesmo que a mamãe precise pagar, isso não será problema, mas você irá estudar.

- Mãe, é só um ano! Eu vou continuar no cursinho e até o ano que vêm eu já me decido o que vou querer cursar. - Respondi querendo demonstrar que toda aquela situação era desnecessária.

- Como só um ano? E como decidir o que vai estudar? Você vai se inscrever para relações internacionais como seu irmão e poderia usar ele como exemplo e parar de perder tempo nessa vida!

Naquele momento eu olhei para meu pai com meu coração partido, querendo pedir desculpas antes mesmo de fazer o que me passava pela cabeça. Ele me olhou com uma feição de "eu sinto muito" e abaixou a cabeça, então eu olhei bem no fundo dos olhos da minha mãe e fiquei de pé gritando:

- EU NÃO SOU O FELIPE, PORRA!

Só sei que depois disso eu fiquei em um silêncio absoluto, esperando para ver a reação que eu não conseguia imaginar, mas o silêncio predominou. Ela me olhava com os olhos arregalados e estava paralisada. Meu pai me encarava e encarava ela ao mesmo tempo, sem saber o que dizer e o que fazer. O nome do meu irmão não era dito em voz alta a muito tempo naquela casa, e isso fez com que todos, até mesmo a Bete levasse um chove de surpresa. Mas sabia eu que aqueles longos segundos de silêncio não durariam.

Ela logo se levantou da mesa gritando:

- PRA MIM JÁ CHEGA! OU ESSE MULEQUE VAI ESTUDAR OU ELE QUE SUMA DE PERTO DE MIM, EU NÃO QUERO MAIS ELE NESSA CASA SE NÃO FOR COMO EU MANDAR!

- O que? - Respondeu meu pai sem dizer mais nenhuma palavra, apenas observando o surto de minha mãe sem reação.

E eu, nem para ajudar a melhorar a situação, fui logo falando:

- O mundo não gira em torno de você não! Precisa aprender que eu não sou o Felipe e que eu tenho a minha própria vida! Já que você quer tanto que eu seja igual a ele, eu vou fazer igualzinho ele mesmo e vou sair daqui!

Continua...

Descobrindo o dom do prazerOnde histórias criam vida. Descubra agora