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Eu sou bonita?

      Ela encarou o próprio reflexo.

      Tão bonita quanto Sara?

      Seu corpo era esguio e pálido, uma vela acesa. Ela derretia em seu próprio desespero. O contorno da cintura e os quadris formavam uma perfeita linha reta. Os seios tão pequenos a faziam detestar sua silhueta.

      Meus seios irão ficar maiores?

      Ela tocou o cabelo, o enrolou nas pontas dos dedos e o puxou. O couro ardeu por um momento. O cabelo se estendia pelas costas nuas com pequenas ondulações, em um vermelho ardente. Ela odiava aquela cor.

      Eu queria cortar meu cabelo todo... Ou pintá-lo de uma cor que ninguém detestasse. Castanho, como os de Sara.

      Ela se aproximou de seu reflexo. Milhares de pontos cobriam seu rosto magro. Ela havia tentado arrancá-los com as unhas uma vez, o que apenas deixou longas marcas vermelhas. Como riram dela por causa daquilo.

      As feições infantis, os lábios tão finos, as bochechas rosadas, o nariz pequeno, os olhos escuros.

      Eu odeio meu rosto... Por que eu preciso ser desse jeito? Por que não posso ser bonita?

      Ela arrastou os dedos pela superfície. Sua mão se fechou em punho e desferiu um soco. Os braços magros não tiveram força o suficiente para partir aquele rosto, o espelho apenas estremeceu.

      — Eu odeio meu corpo... – declarou. — Odeio...

      — Eu gosto do seu corpo... – afirmou uma voz ás suas costas.

      Uma silhueta cresceu ao lado dela, junto a seu reflexo. Ela mal teve tempo de identificá-la, se apressou para ocultar seu corpo. Seus pés molhados a fizeram perder o equilíbrio e ela caiu, tentando ainda cobrir seu corpo com as mãos.

      Aos poucos ela pode distinguir aquele ser. Um homem alto e esguio, pálido como um cadáver, sorrindo faminto. Ele se vestia como um palhaço, com roupas listradas de branco e preto, ela o achou divertido. Seu dentes eram tortos e irregulares, afiados como uma fileira de pregos. Seus olhos eram fundos, tão escuros que não aparentavam ter cor. Ele gargalhava como um lunático, seu corpo inteiro tremia enquanto ele tentava se acalmar.

      — Já lhe disseram...? – ele perguntou, tentando controlar o riso. Ele parou e respirou. — Já lhe disseram que você é adorável? Como... Como uma boneca?

      Ela não sabia se deveria responder, portanto, decidiu ficar quieta e se ocupou em manter suas partes devidamente ocultas. Ela se afastava cada vez mais, até se encontrar junto ao espelho.

      — Está com medo, pequena? – indagou o homem, aproximando lentamente, como quem tenta se aproximar de um animal selvagem.

      Ela analisou se deveria gritar, ou procurar por algo para se cobrir. Não poderia prever o que iria acontecer se gritasse, e se fosse procurar algo, teria que se levantar. Porém, ela não pode deixar de pensar no que o estranho dissera.

      Eu gosto do seu corpo.

      Ela se sentia estranhamente lisonjeada.

      — N-Não... – sua voz não queria sair, era como se algo a estivesse reprimindo. Ela engoliu o nó que havia se formado e disse novamente. — Não... olhe... para mim....

      — E por que não? Eu gosto do seu corpo – seus lábios finos tremeram com um prazer doente. Ele riu baixo, tentando manter esse prazer oculto. — Eu poderia...

Laughing JackOnde histórias criam vida. Descubra agora