Nova York, 4 de julho de 2015.
HAVIA DOIS grandes monitores de televisão em cantos opostos da pequena lanchonete, para que os fregueses pudessem acompanhar o espetáculo pirotécnico anual patrocinado pela loja de departamentos Macy's, em celebração do Dia da Independência. Enquanto comia sem pressa o hambúrguer e as batatas fritas que pedira, empurrando tudo goela abaixo com goles generosos de Coca-Cola, Mike Bennet — 1,82m de altura; cabelos pretos, curtos e lisos; olhos claros; corpo atlético e saudável com apenas 19 anos de uso, apesar de a carteira de identidade falsa, recém-adquirida, dizer 21 — olhava fixamente para as imagens dos fogos de artifício disparados de barcaças no East River, cenas acompanhadas pela voz rouca de Rodney Atkins cantando "America the Beautiful". Breguíssima, como toda canção patriótica, aliás. De repente, o tédio irritante da Bela América foi sucedido pela animação careta de "In the mood", de Glenn Miller, tocada pela banda de jazz da Força Aérea americana. Assim que viu alguns casais na multidão, sem ritmo ou molejo algum, tentando dançar como jovens dos anos 40 ou 50 do século anterior, Mike enfim se deu conta de que não estava in the mood — no clima — para aquela merda toda.
Ao sair do ambiente abafado da lanchonete, sentiu o clima fresco da noite, depois de um dia quente de verão. Um sopro de vento acariciou sua pele e Mike fechou os olhos por um instante, aproveitando a experiência agradável. Quando acabou, checou as horas: já passava das 9h30. Decidiu então ir para casa. Pensava em ir a um bar mais tarde, beber alguma coisa, jogar sinuca, ganhar uma grana de alguns otários — estava precisando. Por ora, no entanto, precisava mesmo era de um banho. E foi andando pelas ruas do Brooklyn, a passos lentos, ouvindo ao longe os fogos e outros ruídos da comemoração.
Mike morava num pequeno apartamento de dois quartos num velho prédio do bairro. Dividia-o com Sean, um ex-colega de faculdade. Na verdade, um ex-colega de turma, ao lado de quem Mike buscava um bacharelado em Economia no Brooklyn College, até ser expulso por ter dado uma surra violenta em três outros alunos — e aí se incluía o grandalhão Stuart Crane, veterano, astro dos Bulldogs, o time de basquete da faculdade, ao qual Mike havia se juntado fazia pouco e que até poderia lhe abrir as portas para um futuro promissor no esporte.
Tudo começou justamente com a sua chegada ao time. O fato impressionante de que conseguia marcar tantas cestas de três pontos — o cara nunca errava um arremesso! — e as incríveis roubadas de bola dos adversários — que ninguém podia entender como eram feitas, embora sempre parecessem dentro das regras — fizeram dele um fenômeno instantâneo. Isso, é claro, não demorou a atiçar os ciúmes e a ira de Crane, que costumava ter os holofotes sobre si o tempo todo, incluindo os gritinhos das líderes de torcida, sempre a repetir o seu nome. Agora, só se ouvia "Bennet, Bennet, Bennet!", a toda hora. Então, um dia, no vestiário, logo após outra partida inspirada de Mike, na qual os Bulldogs haviam massacrado o outro time, Crane partiu para a provocação.
"Tá gostando mesmo de brilhar em público, hein, Bennet?", disse então, num tom sarcástico. "Desse jeito, não vai sobrar glitter pra você usar na próxima Parada Gay."
Seus baba-ovos de plantão, Ronney Anderson e Mark Hill, caíram na risada, um riso forçado, excessivamente ruidoso. Alguns outros até esboçaram um meio sorriso, mas a maior parte dos que ali estavam ficou de cara séria. Ou tensa. Provavelmente já antecipavam que aquilo não ia acabar bem. Mas Mike não reagiu, não se importou com as palavras de Crane. Na verdade, fez-se de surdo e cego. E isso deixou o provocador ainda mais irritado, de modo que partiu para cima de Mike.
Muitos fizeram menção de intervir, mas pararam, atônitos, quando o oposto do que esperavam aconteceu diante de seus olhos. Crane, que era mais alto e aparentemente bem mais forte que Mike, foi arremessado para trás com um único gesto deste, como se fosse um boneco de pano. O grandalhão se chocou contra o armário de aço às suas costas, um impacto tão forte que amassou uma das portas, e ficou visivelmente atordoado. Ronney e Mark então se meteram na briga, buscando desforra pelo amigo humilhado. Mas mal tocaram em Mike, este reagiu, aplicando-lhes golpes — um chute e um soco, respectivamente — que, embora parecessem leves, fraturaram a tíbia de Ronney e o úmero de Mark. Era como se houvessem sido atingidos violentamente nesses pontos por uma barra de ferro.
Essa foi a história que todas as testemunhas contaram e que fundamentaram em parte tanto o processo de expulsão de Mike da faculdade, quanto sua condenação a seis meses de prisão pela reação excessivamente violenta à provocação verbal de Stuart Crane — dos três agredidos, o único que pôde continuar a jogar basquete, embora sem jamais conseguir voltar a ser destaque no time. O argumento da defesa de Mike, de que não fora só provocação verbal, de pouco lhe adiantou, no fim.
Após a condenação, seus pais, que viviam na Virgínia, por sua vez, envergonhados e já cansados de seu longo histórico de mau comportamento, decidiram lavar as mãos, como Pilatos. Desistiram dele de vez. Afinal, diziam, tinham outros dois filhos, um rapaz de 17 e uma garota de 14, que lhes davam mais alegrias e motivos de orgulho. Já não faziam questão alguma de ter seu primogênito problemático de volta ao lar.
Diante disso, Mike continuou no Brooklyn após deixar a prisão. Continuou morando com Sean, embora já não contasse mais com o apoio financeiro dos pais para pagar as contas. Até pensou em começar a trabalhar em alguma coisa, numa lanchonete, por exemplo, mas logo concluiu que havia outro jeito, bem mais fácil e pessoalmente satisfatório, de conseguir dinheiro. Para ele, havia.
Ao entrar no prédio, subiu os dois lances de escada até o segundo andar e entrou no apartamento, onde esperava encontrar Sean com a cara enfiada em algum livro de economia. O amigo de fato estava sentado à pequena escrivaninha próxima à janela da sala, mas havia algo de estranho nele. Estava imóvel, a coluna ereta, o olhar fixo na parede à sua frente, onde não havia nada.
"Sean?", disse Mike.
Nada. Ele não respondia. Parecia estar... paralisado ou algo do tipo.
"Ei, Sean!", disse mais uma vez, sacudindo-o.
"Ele não responderá", disse então alguém, uma voz vinda da cozinha.
O homem, na casa dos trinta e tantos, quarenta e poucos, era um negro careca, alto e musculoso — o que o terno caro que usava não conseguia esconder. Estava sentado numa das três cadeiras que rodeavam a mesa velha encostada à parede ao fundo do cômodo, onde Sean e Mike raramente comiam, e exibia um sorriso simpático. Quando Mike avançou em sua direção, o homem foi como que subitamente erguido da cadeira por coisa alguma, suas costas imprensadas contra a parede, como se alguém ali o segurasse, alguma força invisível. Sua expressão não demonstrava surpresa, no entanto, como Mike esperava. Muito menos temor.
Antes, porém, que pudesse processar aquela reação, Mike sentiu uma descarga elétrica lhe percorrer o corpo, de cima a baixo, como se alguém, vindo de trás, houvesse encostado em sua nuca um fio elétrico desencapado. No mesmo instante, o homem se desprendeu da parede, como se aquilo que ali o mantinha de repente o tivesse soltado. Mike então avistou a mulher, de uns vinte e poucos anos, talvez trinta. Também esboçava um sorriso, mas o seu era irônico. Saiu de trás dele, com a mão direita erguida, tamborilando a extremidade do polegar com os outros quatro dedos, num gesto que fazia apenas chamar a atenção para o detalhe de que não segurava nenhuma arma, nenhum objeto. Nenhum fio elétrico.
"Sabemos tudo sobre o senhor, Sr. Bennet", disse o homem. "Com certeza, mais do que o senhor mesmo sabe. Conhecemos suas habilidades, digamos, especiais."
"Quem são vocês?", perguntou Mike, ainda sentindo os efeitos do choque. "O que fizeram com o Sean?"
"Não se preocupe com o seu amigo, ele está bem. Está apenas — como poderíamos dizer? — num transe. Como que hipnotizado."
Mike se voltou e olhou na direção do amigo. Sean realmente parecia em transe. Pelo menos segundo a maneira como mostravam pessoas em transe na TV.
"O que vocês querem?", indagou.
"Queremos lhe esclarecer tudo, Sr. Bennet. Tirar todas as dúvidas que certamente têm povoado a sua cabeça nos últimos anos. E então..."
"Então?"
"Então", disse o homem, "queremos lhe fazer um convite."
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A aurora dos deuses
FantasyHá quase 200 mil anos, uma espécie alienígena (chamada Dzurk) interferiu no curso da evolução na Terra e criou o Homo sapiens, que superou e levou à extinção o Homem de Neandertal. No século XIX, vendo que o mundo desenvolvido pelos humanos não segu...