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Rio de Janeiro, março de 2016.

QUANDO AQUELAS coisas começaram a acontecer com Bel, ela ficou assustada e confusa. E olhem que confusa ela já andava fazia tempos! Sua mãe era evangélica; seu pai, católico. Diante daquele cisma, ela só sabia que era capricorniana com ascendente em Áries. Sorte ou sina? Ainda não fazia a menor ideia. Força de vontade, energia focada, firmeza — era isso que esperavam dela, era o que ela esperava de si mesma. Ambição, determinação, idealismo. "Você vai alçar voos altos, garota, muito altos", lhe diziam. Mas, como eu ia dizendo, quando aquelas coisas começaram a acontecer com Isabel Marino — que por acaso sou eu —, ela chegou a achar ao menos por um breve momento que, se fosse voar, seria nas asas da loucura — ârgh, isso soou horrível, mais piegas que música do Roberto Carlos, não acham? Mas não deixa de ser o que parecia: que eu voaria direto para um hospício.


Pelo menos é o que eu pensei então. Achei que estava perdendo a razão, perdendo o juízo. Parecia que eu estava pirando!

Tinha acabado de completar 16. Foi um mês depois, um mês e meio, não mais do que isso. Ainda recordo o primeiro episódio dessa doideira. Eu era aluna do terceiro ano e estava dentro de sala na hora. Minha melhor amiga, Cíntia, havia me mandado uma mensagem pelo celular e eu a estava lendo então, apesar de ela estar sentada logo ali, ao meu lado direito. É que a gente não podia ficar de bate-papo enquanto a cascavel da Dona Edilaine dava a sua chatérrima aula de química. Quem não prestava atenção — ou pelo menos não fingia prestar — era logo enviado para fora de sala. Todos conheciam os chiliques da mulher. Até mesmo as mensagens de texto nós tínhamos de disfarçar muito bem para ler, digitar e mandar, sem que ela nos pegasse no flagra.

"E aí? Vai hoje?", Cíntia perguntava.

"Não sei ainda", digitei de volta. "Talvez."

Naquela noite, haveria uma festa na casa do Caio, um garoto da classe que era o crush de Cíntia. Na verdade, havia sido também o meu, até ela me contar o que estava sentido por ele e eu decidir passar uma borracha em todas aquelas fantasias idiotas que vinha tendo.

"Você tem de ir", escreveu Cíntia. "Eu não vou ter coragem de chegar lá sozinha."

Pronto. Ali estava ela, fazendo aquilo de novo. Pedindo socorro. Ciente de que sua amiga Bel, euzinha, não a deixaria na mão. Não conseguiria fazer isso.

"Tudo bem. Eu vou."

A esta altura devo dizer uma coisa: sei que, se algum garoto algum dia estiver lendo isto, talvez ache esta conversa muito, tipo, puro mimimi de garotinhas — talvez fosse melhor eu voltar à aparente neutralidade da narrativa em terceira pessoa, eu sei, mas é que me sinto mais à vontade para contar esta história me expressando com minha própria voz. Pelo menos enquanto estiver falando de mim mesma, das minhas coisas, da maluquice que me aconteceu naquele dia, antes mesmo de aquela aula de química terminar. É por isso que peço: aguentem firmes aí, dudes, e me acompanhem!

Acontece que Caio se sentava na segunda fileira à minha esquerda, na posição de duas carteiras mais atrás. Ao mandar aquela mensagem para Cíntia, eu me virei na direção dele. Foi um gesto que fiz sem pensar direito, totalmente involuntário, eu acho. Sei que ele estava olhando na nossa direção. Olhava na direção de Cíntia, para ser mais exata. Não parecia me ver, me notar. E decerto não viu que eu percebi quando exibiu aquele sorriso malicioso. Mas então... Bem, foi então que aconteceu: eu escutei. Isto é, escutar não é exatamente a palavra. Eu, tipo assim, de uma hora para outra, tive acesso a tudo na mente dele, entendem? Tudo mesmo. Num segundo eu olhava para ele, sorrindo daquele jeito que tanto me incomodou, no outro eu olhava para o mundo do ponto de vista dele. Enxergava tudo dentro dele e de dentro dele.

A aurora dos deusesOnde histórias criam vida. Descubra agora