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Rio de Janeiro, janeiro de 2017.


FAZIA UM ano e meio que Mike Bennet estava no Brasil e, embora já se comunicasse muito bem na língua, ainda cometia alguns deslizes com os tempos verbais. Conjugar os verbos em português era um pesadelo para um falante de inglês como língua materna. Fazer a flexão correta em todos aqueles modos, tempos, pessoas, números e vozes. Jesus Christ!

Poderia ter sido pior, pensa. Ele poderia ter ido para o Japão, como disse aos pais que faria. Um e-mail enviado a eles, falando de uma boa oportunidade de emprego lá do outro lado do mundo. Em resposta obteve apenas uma breve mensagem da mãe, dizendo que lhe desejava sorte e pedido para tomar cuidado. E isso era mesmo tudo o que havia no e-mail. Era tudo o que ela tinha a dizer ao filho. O pai, nem isso. Tampouco os irmãos.

Mike esperava que a mensagem, se eles — não a família, os outros, eles —, caso a tivessem rastreado, esperava que ela pelo menos os colocasse na direção errada, à sua procura. Que os enviasse para a Ásia e os mantivesse por lá por um bom tempo. Pois fariam de tudo para encontrá-lo, disso estava certo. Sabia que não o esqueceriam, que não o deixariam seguir com sua vida de antes, como se aquela noite não houvesse acontecido. Isso não seria mais possível para ele.

Não depois de tê-los conhecido, tê-los encontrado face a face — dois deles, pelo menos. Quantos outros existiriam? Quantos unidos a eles? Não, eles não o deixariam livre ou vivo, depois de conhecer toda a história — não no sentido de uma narrativa qualquer, algo com ou sem importância que alguém diz a outra pessoa, mas sim o que descortina o passado da própria humanidade e joga sobre seu futuro não alguma luz, mas a perspectiva segura de um destino sombrio.

Ainda se lembra da cara de Kristen Shock — decerto um codinome — encarando-o, muda, enquanto o negro robusto, que por esse nome chamara a colega e que se apresentara como Malcolm Crowe, contava, num tom que parecia ensaiado, aquela história bizarra que, noutros tempos, noutras circunstâncias, Mike jamais levaria a sério.


Foi há 190 mil anos que tudo começou, disse. Foi quando os Dzurks descobriram a Terra.

A essa altura, o processo não inteligentemente direcionado da evolução biológica pela seleção natural já havia produzido dinossauros gigantescos, que também já haviam sido extintos fazia tempos, após a queda de um grande asteroide ter inundado a atmosfera terrestre com uma densa poeira, criando uma barreira que, impedindo a luz solar de chegar à superfície do planeta, produzira efeitos que haviam levado à morte inúmeras espécies vegetais e animais. Isso fora bem antes, antes da chegada dos Dzurks. Quando seu caminho intergaláctico deu neste pequeno planeta azul na Via Láctea, já não mais os répteis gigantes, mas os mamíferos de pequeno e médio porte eram os donos da Terra. Dentre estes, destacava-se uma espécie de hominídeos bípedes, com suas faculdades mentais desenvolvidas e suas habilidades manuais incomuns. Construíam e utilizavam ferramentas, faziam roupas, enterravam seus mortos em sepulturas. Mais tarde, seriam classificados como Homo neanderthalensis. E a natureza na Terra havia chegado até eles sozinha.

Mas o Dzurks tinham curiosos interesses. Tinham por hábito algo que era um misto de experimento científico e diversão primitiva. Já haviam feito isso antes e queriam fazer mais uma vez, como decerto ainda fariam outras tantas vezes, noutros tantos pontos do universo. Interferindo na vida ali evoluída, manipulando-a, eles criavam novas espécies e as inseriam entre as demais, naquele ambiente. Dali em diante, só faziam observar. Gostavam de ver suas criações se destacando, dominando todas as outras. E mais: diante das mudanças adaptativas que contingentemente surgiam entre os indivíduos da espécie criada por eles, apreciavam, e muito, ver a emergência daqueles que — dotados de maior força e destreza, mais inteligência e engenhosidade — acabavam subjugando os membros inferiores de sua espécie, eliminando-os ou fazendo deles seus escravos. Essa fora, afinal, a história evolutiva dos próprios Dzurks — embora, em seu caso, jamais tivesse havido manipulação genética inteligente e externa; o processo fora bem mais lento, pois completamente natural. Mas eles se destacaram, entre as demais espécies e em meio à sua própria. E fizeram milhões de escravos em sua ascensão.

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