Prólogo

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“Você tem certeza que é isso que você quer?” pergunta minha mãe segurando minhas mãos.
Eu faço que sim com a cabeça. Aquilo era uma das coisas que eu mais queria. Sabia que era nova para ter certeza de alguma coisa, mas aquilo me deixava extasiada. Só de pensar que dali a 10 minutos eu estaria dentro de um avião, rumo a Nova York, para mora sozinha, em um apartamento que tinha ganhado de meus pais. Aquilo era de mais para alguém de 16 anos. Com toda a certeza eu estava certa do que queria.
“Eu vou sentir tanto sua falta” Ela me abraçou apertado, fazendo meu corpo doer.
“Também vou sentir a sua falta mãe.” Disse me afastando um pouco.
Observei minha mãe limpar os olhos com as costas da mão e olhar para cima respirando fundo.
“Você prometeu que se cuidaria, então, coma direitinho, se tiver pensamentos ruins você pode me ligar a qualquer momento” disse pegando minha mão mais uma vez.
Assenti mais uma vez e sorri.
Estava triste por ter que deixar minha mãe. Ela sempre cuidou muito bem de mim, mas me sufocava, e eu já não podia mais viver embalada na bolha de amor que ela tinha feito a minha volta. Esse era um dos motivos para eu estar tão animada para entrar naquele avião.
Abracei meu pai que estava em silencio até aquele momento. Meu pai era muito maior que eu, e sempre que ele me abraçava, sentia que sumia em seus braços. Seu tronco era largo e ele era bem forte, totalmente meu oposto que não tinha mais que 1,55 de altura e não pesava mais do que 43kg. Sim eu sei. Vergonhoso.
“Como foi que você me convenceu a assinar aquele papel sua malandrinha?” perguntou meu pai encostando sua bochecha em minha cabeça.
Ele se referia aos papeis de emancipação. Não foi fácil fazer com que meus pais assinassem aqueles papeis. Ainda mais que descobriram que eu queria ir embora de casa, ir para outro país. Eu tive que demonstrar uma maturidade que não existe em mim para que eles assinassem aqueles papeis. Tive que mentir, atuar, enganar e engordar.
“Se cuida okay?” ele me afastou e fungou. “Qualquer coisa, é só ligar que eu vou correndo te buscar. A sua casa vai ser sempre aqui” ele colocou a mão no peito.
Senti um nó se formar em minha garganta, mas não ia chorar ali, não na frente de meus pais, que estavam loucos para que eu mudasse de ideia. Me lembrei que dali algumas horas eu estaria em Nova York, em meu apartamento mobiliado, com as coisas que eu tinha escolhido.
“Você já conhece as coisas lá? Sabe onde fica a escola que vai estudar?” minha mãe nos interrompeu.
Eu fiz que sim.
Aquela não era a primeira vez que viajava para Nova York. Tinha visto uma escola “perto” de meu apartamento, onde não precisaria pegar um ônibus para chegar até ela, e poderia fazer uma caminhada de meia hora todos os dias de manhã. Aquilo era muito saudável. Minha matricula já havia sido aceita, toda a papelada da minha antiga escola já havia sido enviada. E aquela viagem estava sendo planejada há um ano, tive que esperar até completar 16 anos para poder me emancipar, e só então começar a dar entrada nos papeis da embaixada para virar uma moradora nos Estados Unidos. Minha primeira tentativa foi muito frustrante, já que meu visto foi liberado por apenas 3 meses. Fui muita burocracia por eu ser muito nova e não ter um emprego. A minha sorte é que tenho uma tia que mora em Nova York, foi ela quem me ajudou a achar um apartamento e a escola. Mesmo sendo emancipada aqui, no Brasil, ela é quem ficou sendo minha responsável legal lá, em Nova York, o que não significa que eu terei que morar com ela, apenas significa que ela será avisada caso alguma coisa aconteça.
Ouvi a chamada do meu avião sendo feita por uma voz feminina que ecoou pelo aeroporto.
“Eu amo vocês” abracei meu pai e minha mãe ao mesmo tempo engolindo o nó em minha garganta. “Eu mando uma mensagem quando chegar” disse.
Não esperei que eles dissessem mais nada, pois tinha certeza absoluta que choraria bem ali, e eu não gostava de chorar, muito menos na frente dos meus pais. Então eu lhes dei as costas e caminhei em direção a porta de embarque.
Ao passar pela segurança sem olhar para trás, minha mente estava a milhão, meu coração parecia que ia sair pela boca. Sentia minha mão suar frio.
“Vai ficar tudo bem Lívia”
Gostava de demonstrar que era forte. Mas a verdade era que eu não passava de uma covarde. A prova disso era aquela viagem. Estar embarcando naquele avião significava que eu estava fugindo de tudo e de todos. Entrar naquele avião significaria que meu passado não existiria mais, só a nova eu. Eu finalmente poderia viver minha vida sem a interferência de meus pais, sem interferência diária daqueles que diziam ser meus amigos, mas que na verdade só gostavam de mim por causa do dinheiro que meus pais têm. Estava farta de amizades falsas, queria conhecer gente nova, mas tinha medo. Medo de ser eu mesma e terminar sozinha.
Quebrei a barreira que me mantinha em pé deixando algumas lagrimas escaparem enquanto caminhava calmamente até portão de embarque, onde uma mulher estava pegando as passagens das pessoas que embarcavam.  Estava totalmente consciente de todas aquelas pessoas a minha volta, de todo aquele barulho ensurdecedor, mas meu coração quase saiu pela boca quando um homem de aparentemente 40 anos, que falava ao telefone e andava de costas, esbarrou em mim com tamanha força que fui ao chão.
“Meu Deus! Me perdoe.” Disse segurando meu braço para me ajudar a ficar d pé.
Olhei em volta, muitas pessoas estavam paradas olhando para mim, e naquele momento eu só queria abrir um buraco ali mesmo e me enfiar. Me sentia atordoada, não sabia se pelo tombo ou pela vergonha.
“Você está bem?” perguntou se abaixando um pouco para olhar em meus olhos.
Eu fiz que sim. Sua mão ainda estava fechada em volta de meu braço, segurando com firmeza para que eu não caísse outra vez.
“Eu machuquei você?” perguntou ainda buscando olhar meus olhos.
“Não” disse erguendo a cabeça que mantinha baixa até aquele momento.
Senti um choque atravessar meu corpo, não sei explicar se de raiva ou se foi apenas atração, quando nossos olhos se encontraram. Os verdes de seus olhos me prenderam por um instante.
Observei o homem parado a minha frente. Ele era forte, olhos verdes muito intenso, tinha uma barba que o deixava bastante atraente, cabelos ondulados de um castanho claro. Pisquei duas vezes, ele era até que bonito para um cara tão estabanado.
“Me desculpe, eu estava resolvendo um assunto de negócios e não te vi.” Disse mais uma vez.
Eu assenti e então me recompus.
“Não foi nada” disse sorrindo timidamente.
Minha nova vida ainda estava esperando por mim. E mesmo que de forma imensamente constrangedora, aquele era meu novo começo. Não pude deixar de rir sozinha enquanto caminhava para dentro do avião. Aquele homem estranho e desastrado havia ficado para trás, parecia estar procurando alguém ou alguma coisa, totalmente perdido, ainda falando ao telefone, quando entreguei minha passagem para a aeromoça e entrei no avião deixando a velha eu do lado de fora.

Lívia: hungry for thinnessOnde histórias criam vida. Descubra agora