Nunca havia ficado tão grata por estar saindo para almoçar com minha tia. Ela não se importou nem um pouco quando pedi água em vez de suco e uma salada em vez de qualquer outra coisa no menu.
Ao contrário de meus pais, ela se preocupava com a saúde e com a aparência e ao contrário dos meus pais, ela não me achava doente, nunca me disse que eu tinha que engordar, ela só me dizia para ser saudável e eu conseguia suportar aquilo. Era muito mais fácil do que ser obrigada a comer a cada 3 horas, com olhares sempre em cima de você, ou com todos perguntando a todo instante se eu havia comido ou não e independente da minha resposta eu tinha que comer outra vez. Aquilo me matava.
Era muito fácil conviver com minha tia, ela de fato devia saber que eu tinha algum problema com a comida, mas ela não ficava me pressionando para comer sempre mais e mais. Se eu comia uma fruta ou uma salada, para ela era o suficiente, tanto que me acompanhou na salada, mas em vez da agua, pediu um suco.
Tinha que admitir que estava com tanta fome que poderia comer um boi inteiro, e aquela salada não me satisfez nem um pouco, mas era o suficiente para mim, tinha que ser, ja que comer qualquer coisa que fosse nem estava nos meus planos.
Nunca me senti tão livre e tão a vontade para comer na frente de alguém como me senti comendo com minha tia. Ela não ficou me olhando torto, não ficou observando cada garfada que eu levava à boca e mastigava 36 vezes antes de engolir, ela apenas manteve uma conversa enquanto comia o que tinha sem seu prato sem se preocupar com o meu. Era uma ótima sensação. Acho que é assim que garotas normais devem se sentir quando comem perto de outras pessoas. Livres
Liberdade que durou pouco e me arrependi imediatamente de ter comido, além de não estar nos meus planos ter consumido aquelas calorias, ter comido fez com que eu sentisse ainda mais fome o que me deixou bem irritada.
Senti vontade se socar meu estomago com força quando senti que ele ia fazer barulho Aquele ingrato deveria estar feliz por ter recebido algum alimento, e não ficar reclamando e pedindo por mais comida.
Passei a tarde no shoppiing com minha tia, fazendo questão de andar bastante pelas lojas para ja queimar aquelas calorias indesejadas do almoço. Ficamos jogandl conversa fora basicamente o dia todo, falei sobre a viagem, sobre meus planos para o futuro, sobre fotografia e sobre meus vizinhos gatos que estabam curiosos para conhecê-la.
-- É muito bom saber que ainda chamo a atenção de homens mais novos. - disse rindo um pouco.
-- Credo, você fala coml se fosse uma vovozinha toda caida. - eu disse. - você é muito gata, e do jeito que você se veste não tem como não chamar a atenção dos homens. - eu olhei para minha tia de cima a baixo e me senti mal de repente. Ela era linda e magra. Era óbvio que meus vizinhos estariam interessados nela, uma mulher de 29 anos, elegante e magra.
-- Estou chegando na casa dos 30 Liv, logo a gravidade faz tudo isso aqui cair. - ela apontou para o próprio corpo. - Quem não se cuida quando e2 novo, quando ficar velho, cai ainda mais rápido. - disse.
Eu assenti sem saber exatamente se ligava para isso. Eu não tinha bunda grande e meus seios eram de tamanhos normais. A única coisa que eu não queria que ficasse caido em mim era minha barriga enorme.
-- Você pode me levar pra casa agora? Eu tenho que resolver algumas coisas ainda e quero fazer isso antes de escurecer. - pedi olhando a hora na tela do celular.
Não passava das 16 horas mas eu queria tirar algumas fotos, e aquela hora era a hora perfeita do dia por causa da luz do sol.
Ela olhou a hora em seu relógio de pulso.
-- Oh, eu também tenho um compromisso, tinha até me esquecido. Marquei de me encontrar com um cliente na galeria. - disse pegando o celular de dentro da bolsa de mão que carregaba. - Que cabeça a minha. - disse digitando alguma coisa no aparelho. - Vou ter que avisar que vou me atrasar uns 20 minutinhos.
- Eu posso pegar um taxi. - disse.
- Não, que isso. Eu te levo pra casa.
-- Não, é até bom que eu me acostumo com o caminho. - disse. Eu não queria de forma alguma atrapalhar minha tia em seu trabalho.
-- Tem certeza? Ela me encarou.
Eu fiz que sim.
-- Okay, prometo que não vai acontecer de novo. - ela me abraçou apertado. - Você tem dinheiro para o taxi? Perguntou quando me soltou.
Eu fiz que sim com a cabeça, mas foi inútil, pois ela ja estava tirando uma nota de 20 dólares de dentro da bolsa e me entregando.
-- Toma, qualquer coisa me ligue okay? Ela olhou o relógio em seu pulso mais uma vez. - Agora eu tenho que ir, estou realmente atrasada.
Me despedi com um aceno e caminhei para a saída.
Peguei um taxi na frente do shopping e lhe passei meu endereço. Estava louca para passar meu dia fotografando. Fazia alguns meses que eu não me dedicava a fotografia, e não queria que isso acontecesse com a nova eu, queria me dedicar mais à aquelas coisas que me davam prazer.
Paguei o taxista quando ele me deixou em frente ao meu predio e subi de escada até o meu andar, aproveitando para gastar as calorias que havia consumido no almoço. Entrei ofegante em meu apartamento depois de subir os 3 andares correndo e fui direto para o meu closet. Mimha câmera estava guardada em uma das prateleiras na parede oposta a que estavam os cabides. Peguei a bateria extra e o cartão de memória e os coloquei dentro da bolsa da câmera, e só e tão liguei minha Canon para ver se a bateria estava tudo okay com ela. Troquei o cartão de memória que tinha nela, que estava cheia de fotos de São Paulo e coloqueibo vazio, para encher de fotos de Nova York.
Aquele pensamento me fez sorrir. Eu estava em Nova York, sozinha, independente, ou quase isso, porém era o suficiente. Eu estava sozinha, mandava na minha vida, era responsavel por meus atos.
Guardei tudo dentro do suporte da câmera e saí outra vez.
Caminhei algumas quadras observando tudo, buscando uma inspiração, um frame que merecesse ser capturado pelas lentes de minha câmera, mas tudo me parecia tão parado, tão comum.
Caminhei mais algumas quadras, agora com a câmera nas mãos, pois não queria perder a foto perfeita no momento perfeito.
Depois de 10 longos minutos caminhando sem encontrar nada que me agradasse o suficiente para virar um momento congelado por toda a eternidade por minha lente, eu decidi tirar foto de qualquer coisa. Tirei algumas fotos de carros em movimentos, pessoas atravessando a rua, motocicletas estacionadas, crianças brincando no parque, pombos sendo alimentados por uma senhora e minha última foto havia sido de uma criança que derrubou o sorvete por acidente antes mesmo de dar a primeira lambida. Aquela não era a foto perfeita que estava esperando, mas até que tinha gostado bastante dela, a foto capturou o momento em que o sorvete estava na metade do caminho entre a mão da criança e o chão.
-- Posso pagar outro sorvete pra você? Perguntei me aproximando da garotinha sentada em um dos bancos da praça, ela tinha os braços cruzados contra o peito e fazia bico como se quisesse chorar.
-- Minha mãe diz que não devo aceitar doces de estranhos. - disse a menina encarando seus pés.
-- E ela tem toda razão. - eu concordei com ela. - Nunca se deve aceitar doces de estranhos e nem entrar em carros de pessoas desconhecidas.
-- Então por que é que eu deveria aceitar o sorvete? Perguntou.
-- Porque você me ajudou a tirar uma foto muito boa, e achei injusto da minha parte ter conseguido o que e queria enquanto você fica sentada aqui com essa carinha triste. - disse me sentando ao seu lado.
A menina descruzou os braços.
-- Eu posso ver a foto? Perguntou.
Eu fiz que sim e lhe entreguei a câmera com a imagem na tela.
-- Minha cara ficou engraçada. - disse. - Olha, o sorvete ainda estava no ar. Se eu tivesse super poderes eu poderia ter evitado que ele caísse, principalmente se eu conseguisse mover as coisas com a mente.
Não pude deixar de sorrir com aquela idéia. Ainda me lembrava de quando queria ter super poderes para enfrentar a vida. Toda semana eu queria ter um poder diferente, como atravessar paredes, me teletransportar de um lugar para o outro, ser invisível, controlar a mente das pessoas, saber voar, poder ler mentes e etc. Mesmo que o super poder não existisse eu acabava criando um na minha mente. Naquela época tudo era tão simples, conseguia resolver boa parte de minhas frustrações com minha imaginação, assim como aquela garotinha ao meu lado tinha acabado de fazer.
-- Seria incrível mesmo. - disse pegando a câmera que ela me estendia de volta. -- Eu também gostaria de ter poderes. - disse.
-- Serio? Qual? Perguntou me encarando. Vi seu rosto se iluminar ao olharem para mim. A menina se sentou meio de lado para me olhar melhor.
-- Eu gostaria de parar o tempo. - disse.
-- Que sem graça. - disse voltando a ficar sentada de lado para mim.
-- Não é não. Imagine que, se eu pudesse parar o tempo, eu poderia ter tirado a minha foto e segurado o seu sorvete e nós duas estaríamos feliz. - eu pisquei para ela. - e se eu estivesse atrasada para ir em algum lugar, era só parar o tempo e ir para onde eu deveria ir.
Ela sorriu largamente para mim.
-- Até que não é tão sem graça assim. - disse. - Meu nome é Carly. - ela estendeu sua mão minúscula para mim.
-- Lívia. - disse apertando com cuidado a mão que ela me estendia.
-- Acho que agora que não somos mais estranhas, você pode me pagar aquele sorvete. - disse a menina sorrindo largamente.
Ela se levantou num pulo e ficou parada em minha frente esperando que eu dissesse alguma coisa.
Pendurei a câmera no pescoço e caminhei ao lado na menina até o carrinho de sorvete que ainda estava parado ali.
-- Posso tirar uma foto sua? Perguntou Carly depois de pegar o seu sorvete.
-- Pode. - respondi depois de pensar um pouco.
Estendi a camera para ela, que me entregou o sorvete antes de pegar a câmera.
-- Se quiser, pode dar uma lambida, é de chocolate. - disse.
-- Obrigada. - respondi.
Mostrei a ela onde ela devia apertar para tirar a foto e fiquei parada em sua frente.
-- Ficou linda. - disse depois de alguns segundos. - Mas é claro que ficou, você é muito bonita, não tinha como não ficar linda.
Não pude deixar de sorrir com aquele comentário. Carly parecia uma garotinha muito meiga.
Eu lhe entreguei o sorvete e peguei minha câmera. Voltamos a nos sentar no mesmo banco que antes para que ela terminasse de chupar seu sorvete.
-- Eu tenho que voltar para a casa, obrigada pelo sorvete Lívia. - disse.
-- Você quer que eu te acompanhe? Perguntei me levantando.
-- Não precisa, eu moro bem ali. - disse apontando para um prédio no outro lado da rua.
Continuei sentada observando Carly atravessar a rua e entrar no predio da esquina e só depois disso é que resolvi também voltar para a minha casa.
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Lívia: hungry for thinness
Teen Fiction"Querer ser magra me tirou tudo. Perdi a confiança de meus pais, minha saúde e meus amigos. Algumas vezes eu acerto, outras nem tanto. Mas a vida é feita disso, de erros e acertos. E eu nao sou ninguém para me intitular de perfeição, mas tenho certe...