Capitulo 2

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Ouvi meu celular tocar em algum lugar. Abri os olhos me sentindo desnorteada, por alguns segundos não conseguia me lembrar onde estava, mas aos poucos tudo ficou claro. A falta de concentração com certeza era pela falta de comida. Tinha me desacostumado com isso tambem. Estava me sentindo um pouco fraca, e aquilo me deixou irritada, já que não tinha passado nem 24hrs que eu tinha comido. Para falar a verdade, eu havia tomado café da manhã com meus pais, só não almocei porque usei como desculpa o vôo demorado e o fato de ficar enjoada em viagens.
Caminhei descalça pelo corredor, agradecendo pelo chão ser de madeira em vez de piso, se não mesmo de meias meus pés estariam congelando.
Peguei o celular dentro da bolsa e abri a mensagem. Era minha mãe, querendo saber como eu estava, se tudo estava bem, se eu ja havia comido. Bufei. É claro que ela perguntaria aquilo
Mandei uma mensagem de volta me desculpando por não ter avisado antes que ja tinha chegado, pois tinha caido no sono. Disse que tinha comprado algo no aeroporto assim que pousei, pois estava faminta e agora estava me preparando para sair para passar em algum lugar para poder abastecer minha geladeira.
Aquilo parecia bem convincente. Sabia que minha mãe não responderia agora, entao coloquei o celular na bancada da cozinha, que era a unica coisa que dividia a sala da cozinha, e levei a primeira mala para meu quarto. Abri a porta do meu closet sentindo um orgulho enorme de poder dizer que aquele era meu guarda-roupa. Minha tia tinha feito questao de me dar roupas novas quando disse que ia me mudar. Sempre lhe disse que invejava muito seu closet enorme cheio de roupas, sapatos, bolsas e um espelho de parede inteira, e olhando para o meu closet naquele instante parecia que estava olhando para uma replica menor, mas muito perfeita do closet de minha tia. Esse era um dos motivos daquele apartamento ser tão especial. Parecia ter sido feito exclusivamente para mim.
Coloquei a primeira mala ali dentro e encarei todas as roupas no cabide, tanto as novas quanto as minhas que tinha mandado para cá. Minhas roupas nunca foram tão organizadas.
Peguei uma leggin qualquer de um cabide e vesti. Não que eu estar de calcinha na minha casa fosse um problema, mas sim porque estava frio.
Voltei para a sala e carreguei com muito esforço mais duas malas. Abri uma delas e comecei a tirar as roupas para colocar nos cabides vazios, queria esvaziar aquelas 3 malas antes de pegar a ultima na sala.
Peguei varios cabides e me sentei no meio do closet para arrumar as roupas.
Alguns minutos se passaram até eu decidir pegar meu celular para ouvir uma música, estava muito quieto.
Aproveitei que estava na sala e levei a última mala para o closet e então comecei a organizar tudo ao som de Linkin Park.
Coloquei todas as roupas em cabides e os sapatos no canto do closet sentindo orgulho de mim mesma. Nunca tive tanta determinação para  arrumar alguma coisa. Mas aquilo era diferente. Era a nova eu. A antiga eu, bagunceira e desorganizada havia ficado no Brasil, aquela era a nova eu, e a nova eu era determinada e focada.
Em um canto na parede, ao lado das prateleiras onde estavam os sapatos, eu vi a pequena cama elástica de jump que minha tia havia me dado.
Fiquei muito feliz por finalmente poder usar aquilo, e o melhor de tudo, ninguém estaria me vendo, ninguém me diria para parar pois ja tinha me exercitado o suficiente. Eu poderia passar a noite pulando naquilo ali se quisesse.
Levei o aparelho até a sala, junto com uma toalha. Olhando pela janela, notei que ja era noite, mas não sabia dizer a hora, só sabia dizer que estava me sentindo cheia de energia e queria gasta-lá.
Voltei para o closet mais uma vez, agora tirando minhas roupas, ficando só de calcinha e sutiã. Encarei meu corpo gordo sentindo vergonha daquilo. Peguei a balança que ainda estava dentro de uma das mala e coloquei bem de frente para o espelho, para poder ver duplamente o fracasso.
Fechei os olhos, colocando primeiro o pé esquerdo e então o direito em cima da balança. Fazia algum tempo que eu não me pesava assim, e aquilo era um pouco torturante, pois sabia que meu peso ja havia sido bem menor. Suspirei tentando lembrar a mim mesma de que aqueles quilos a mais tinha sido os responsaveis por eu estar ali naquele momento. Era o acordo.
Me comportar como a filha normal que come e sai com os amigos para poder ser emancipada e fazer o que quiser.
E ali estava eu, sem saber exatamente quao grande era o estrago. 43kg foi a ultima vez que me pesei com minha mãe ao me lado, a mais de três semanas atrás. Estava com muito medo de abrir os olhos e os números estarem maiores do que antes.
Contei até três e encarei a balança.
Senti minhas pernas bambearem. 44,3kg.
Me apoiei na parede ao meu lado saindo da balança imediatamente. Aquele número era inaceitável. Era insuportável.
Vesti a calça leggin outra vez, coloquei uma camiseta mais folgada e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo.
Ia eliminar aqueles quilos a mais, não conseguia conviver com aquilo.
Coloquei uma musica bem animada quando voltei para a sala e comecei a fazer os exercícios de jump que sabia.
***
Estava deitada no meio do chão da sala, me sentindo exausta. Não sentia minhas pernas mais, meu corpo estava todo suado, ainda vibrando devido a adrenalina daquelas horas de exercícios.
Me levantei com um pouco de dificuldade e fui até o armário pegar um copo, precisava de água. Aproveitei que estava ali na cozinha e liguei a geladeira na tomada que estava desligada até aquele momento. Estava vazia, assim como meu armário. Mas aquilo era bom, se não tinha comida, então eu não comeria, o que significava que perderia peso mais rápido.
Abri as portas dos armários para ver o que tinha, e percebi que não tinha quase nada. Panelas, pratos, copos, talheres. Não tinha praticamente nada. Tudo bem que eu não ia precisar, mas seria bom ter, caso recebesse visitas em casa. Fiz uma nota mental para me lembrar de comprar coisas para a casa no dia seguinte.
Tirei a musica de meu celular e fui em busca de uma toalha. Queria muito tomar um banho bem quente. Meu corpo estava começando a esfriar, e logo eu estaria congelando. Fechei a janela da sala e a do quarto antes de entrar no banheiro. Não queria sair do banho e pegar friagem.
Tirei minhas roupas suadas e coloquei no canto do banheiro, fiquei pensado onde lavaria minhas roupas, ja que no apartamento não tinha lavanderia. Liguei o chuveiro e deixei a agua quente cair sobre mim. Me molhando dos pés a cabeça. Me sentia revigorado, limpa, pura e leve. Principalmente leve. Me sentia vazia, mas de uma forma boa.
Quando terminei o banho, fiquei tentada a me pesar outra vez, mas decidi que era melhor não. Parei de frente para o espelho e encarei meu corpo. Olhei as linhas finas em minhas pernas e em meu quadril, cicatrizes, responsaveis por me lembrar como sou fraca. Senti uma angustia de repente.  Subi na balança sem pensar duas vezes. 44,1kg
Sim, eu queria fazer aquilo, deixar sair aquela angustia de mim, não pensar mais no meu corpo gordo e feio.
Peguei minha bolsinha de maquiagem e tirei de dentro uma caixinha dourada, onde guardava todas as minhas laminas, a maioria estava cega, mas ainda cortava. Escrevi a palavra FAT em minha perna, que siginifica gorda em português, e depois fiz varios cortes espalhados em minhas duas coxas. Me sentia muito fraca. Porque é que eu não podia ser magra como as outras garotas da minha idade?
Odiei cada sentimento meu por ter comido aquela manhã.
Ali estava eu, sentada no chão do meu closet, chorando feito uma idiota, seminua. Alguns minutos se passaram até eu decidir me limpar e vestir uma roupa.
Passei a mão lentamente nas cicatrizes em meu quadril sentindo cada uma delas, grossas e volumosas.
Respirei fundo algumas vezes tentando me recompor. Aquela era a nova eu, e a nova eu não ficava chorando por não emagrecer. A nova eu era determinada e sabia que em pouco tempo, aquele sentimento horrivel de inferioridade sumiria, assim como aqueles quilos a mais.
Peguei meu notebook dentro da mala que não havia sido esvaziada e me sentei no meio da cama.
Eu ainda não tinha internet, mas tinha varios episódios das minhas séries favoritas.
Provavelmente ja passava da meia noite, mas eu não estava com o mínimo sono, ainda mais depois de dormir praticamente a tarde toda.

Lívia: hungry for thinnessOnde histórias criam vida. Descubra agora