Mirror

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Dois meses após a morte de Ruby Grace, encontrei um envelope azul em meio a todos os meus outros papéis. Demorei alguns minutos para abrir e, quando finalmente deslacrei o envelope, reconheci instantaneamente a letra delicada e bonita.

"Querido amigo,
Se está lendo isso é porque não estou mais aqui. Como havia lhe dito, eu fui para um local melhor e logo a gente se encontra.

Não pretendo deixá-lo sem respostas. Sendo assim, proponho um desafio.

Se lembra da velha casa de boneca no quintal dos Grace? Há um caderno de anotações lá. Dentro deles, tenho algumas histórias e fatos que ninguém, nem mesmo você, sabem sobre mim.

Peço que você leia e considere todos os desafios ali presentes.

Faça isso o mais rápido possível.
                                           Com amor,
                                                 Ruby Grace"

Assim que li, parti rapidamente para a casa de bonecas.

A estrutura da casa estava em decadência. Nas paredes, rabiscos feitos por Ruby e Mia, que me causam arrepios. No centro da casa, um sofá de criança cor-de-rosa, cheio de rasgos e sujeira. Alguns móveis de cozinha distribuíam-se pelos espaços vazios da casa, assim como as bonecas. Atrás do sofá, um pequeno baú marrom cheio de pó.

Caminhei até o mesmo e o abri, encontrando ali livros, cadernos e cartas. Peguei-o e caminhei de volta para casa.

                                ***
Em meio a tantos cadernos, encontrei o certo. Capa azul, espiral torto e um "Para Nathan" escrito na capa.

Na primeira folha, haviam alguns rabiscos e desenhos um pouco macabros de pessoas mortas e pessoas se matando. No canto da folha, a assinatura rabiscada de Ruby Grace.

Na página seguinte, iniciavam-se os textos.

"Olá Nathan, como estão as coisas? Fico imensamente feliz por você estar lendo isso.

Escrevi neste caderno, algumas coisas que possam te ajudar a me encontrar, já que você não pode simplesmente ir atrás.

Peço que você leia as cartas com as devidas pausas, sem ler tudo em seguida. Não quebre essa regra.

Lembre-se de todos aqueles que irei citar aqui.

Boa sorte. 
                 Com amor, Ruby Grace."
                                  ***

"Já parou para pensar o quão o mundo é pervertido? Todos nós nascemos ingênuos e o mundo nos prega uma peça assim que nota a nossa ingenuidade.

Ninguém é ingênuo para sempre. O mundo sempre acha alguma forma de levar a malícia para nós.

Quando eu era menor, acreditava que não existia ninguém ruim. Pensei por muito tempo que as pessoas faziam as coisas ruins apenas quando fosse realmente necessário.

Aos meus 9 anos, mudei-me para Londres por uns meses. Lá, comecei a frequentar uma escola de pessoas da classe alta, que pareciam ser muito perfeitas o tempo todo.

Em meio a muitos alunos, havia uma garota. De todos ali, ela provavelmente era a mais rica. Para todo mundo, a personificação da perfeição não era ninguém além dela.

Passei meses tentando ser ela. Prendia meu cabelo em duas longas tranças e usava vestidos azuis quase todos os dias, em modelos idênticos aos que ela usava.
Entretanto, ninguém nunca me notou como notavam ela. E isso um dia me entristeceu de tal modo que eu me vi cometendo meu primeiro crime mortal.

Aos sábados, todas as garotas frequentavam o clube de dança, inclusive ela. E em um dia específico, após o clube, esperei todas as garotas e professoras saírem para chamar a garota para conversar. Surpreendentemente, ela aceitou.

Todos na escola sabiam sobre a alergia severa a amendoim que ela tinha. Sendo assim, preparei sanduíches discretos e ofereci a ela, dizendo que era um creme doce que minha mãe fazia. Gentilmente, ela concordou em comer um comigo.

Após poucas mordidas, a vi perder o ar. Ela tentava pedir que eu a ajudasse, mas tudo o que eu fiz foi olhar em seus olhos. Em minutos, suas forças se esgotaram e ela morreu, na minha frente.

A morte por intoxicação foi assunto na escola por meses, mas ninguém nunca soube quem fora o verdadeiro culpado.

Sabe a verdade? Aquilo foi uma das coisas mais prazerosas que eu já fiz em toda minha vida. E foi assim que eu percebi que sempre estive errada sobre não existirem pessoas más. Elas existem e eu sou uma delas.

A garota se chama Sophia Turner. Minha primeira vítima."

Anexada a carta, haviam duas fotos. Na primeira, uma garota de longos cabelos pretos trançados e pele branca, com os olhos azuis brilhantes, vestido azul e um sorriso discreto. No canto da foto, em letras pequenas, estava escrito a palavra "espelho". Na segunda, reconheci Ruby. Seus cabelos loiros estavam trançados da mesma maneira que a da garota e ela usava o mesmo vestido. Em seus olhos, algo me assustava. Não se parecia com a Ruby Grace que conheci.

Ou será que aquela era a única Ruby que existiu de verdade?

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