Feelings

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Você já parou para pensar quanto tempo perdeu por coisa boba? Por medo, tristeza, desconfiança, solidão...

Já olhou para trás e percebeu que fez muita coisa em vão? E que tudo que vem pela frente já perdeu o sentido?

Hoje eu me sinto assim.

O dia amanhece diferente, mas com a mesma aparência se sempre.

Meu corpo sua frio enquanto olho fixamente em meus olhos vazios refletidos no espelho. A pele pálida grudada em ossos ocos e fracos. A mente tão vazia quanto o olhar.

Nada mudou. Entretanto, as coisas parecem diferentes quando amanheço com vinte anos.

Agora sinto uma leveza anormal em minha alma. Toda a melancolia e solidão transformadas em alívio.

Caminho até a banheira e lá permaneço por longos minutos, com a mente viajando pelas notas graves de uma música clássica que repete no rádio.

Toda a leveza, em questão de minutos, é substituída por um leve desespero. Aos poucos, sinto que o vazio me engole. Respiro fundo e me sinto ansioso para estar envolto de toda essa escuridão.

Por fim, com os pés molhados sobre o chão, me sinto velho. Uma alma velha em um corpo jovem e fraco. A última sensação é a de não sentir. Fecho meus olhos vazios e me deixo levar, novamente, pelo grave do piano.

***

Em uma simples caminhada pela rua, somos capazes de presenciar coisas únicas e raras. É encantador a quantidade de vida que há em todo lugar. Sons, cheiros, imagens. Está tudo ali, concentrado.

Ruby Grace acharia aquilo tudo uma piada. Pessoas felizes posando para fotos perfeitas em família. Crianças correndo e se machucando na grama. Carros e mais carros que buzinam sem parar. Tudo seria patético aos seus olhos.

Quando me sento na grama, com vista para um lago, imagino como seria afundar ali.

Certamente, haveriam pessoas desesperadas ao redor, gritando por socorro. Como se uma vida realmente importasse.

Pois é, Ruby. É realmente patético.

Pessoas vem e vão. Poucas realmente são conhecidas. Então aí que está a graça da coisa. Por que guardar seus instintos e ninguém lembrar quem foi você?

***

VÉSPERA DE ANIVERSÁRIO DE RUBY GRACE.

-Sabe, amanhã eu faço 17 anos. A gente poderia fugir, Nathan. Para bem longe daqui. A gente arranja algum dinheiro de alguma forma. Você sabe que o nosso lugar não é aqui.

-Para onde iríamos, Ruby?

Ela tragou seu cigarro e olhou em meus olhos

- Para o outro lado. O que está longe do nosso alcance agora.

Naquela hora, não entendi o que ela quis dizer. Ela também não quis explicar.

-Nathan, eu irei primeiro pra esse lugar. Amanhã, ok? Eu estarei te esperando lá. Você vai assim que fizer 20 anos. Não antes disso e nem depois.

-Faltam três anos, Ruby. Por que acha que eu suportaria três anos longe de você?

Ela sorriu pra mim.

-Eu vou estar sempre aqui. -ela colocou a mão em meu peito e em seguida, na minha cabeça - E aqui também.

Antes de irmos embora, passamos alguns minutos abraçados, com os olhos fixos um no outro.

-Eu te Amo, Ruby Grace. Por favor, não me deixe.

-Nathan, sabe, eu estou pensando em testar coisas novas. É claro que eu adoraria sua companhia para isso, mas eu vou ir nessa sozinha.

Antes que eu pudesse responder, ela completou

-Mas, aos vinte anos, a gente se encontra de novo. E vamos fazer outras coisas juntos. -ela deu um sorriso fraco

a soltei bruscamente, olhando-a incrédulo

-Você esqueceu a nossa promessa? Vai deixar tudo pra trás?

-Nathan, eu tenho uma vida. Não vou deixar de viver ela, entende? Só quero resolver tudo antes de meter você nessa.

-Você acha que não pode viver ao meu lado?

Ela se levantou

-Não da minha maneira.

Sendo assim, nós dois voltamos para a casa dela.

Naquele momento, eu me senti fraco e incapaz. Ruby sempre havia sido mais do que eu. E naquela hora, nada era diferente.

Ao chegar em sua casa, entramos de roupa na banheira e nos encaramos por longos minutos, com o grave do piano ao fundo.

Quando Ruby fechou os olhos, uma sensação de desespero tomou conta de mim. Em seguida, uma raiva muito grande.

Ela iria embora. Minha Ruby Grace iria embora. E eu não a teria de volta.

Minhas mãos pegaram um objeto na prateleira ao lado da banheira, silenciosamente, enquanto meus olhos fitavam Ruby.

A raiva crescia cada vez mas. Desespero, medo, ansiedade, mais raiva. Minha mente vibrava com um só pensamento. E então, eu não sentia mais nada.

O sangue se espalhava pela banheira enquanto eu via Ruby Grace engasgar com o sangue.

Minha Ruby Grace. Só minha, e de mais ninguém.

***
Ainda no parque, ao entardecer, via cada vez mais pessoas ali.

Era tanta gente igual, mas nenhuma igual a mim.

Vazio. Cansaço. Alívio. Envelhecer.

Lembrei-me de Ruby, naquela noite de inverno. A garota Grace.

A única pessoa especial em meio a tantos padrões. A minha pessoa especial.

Desespero.

Ruby havia ido embora e ninguém lembrava de seu nome, fora eu.

Se Ruby era ninguém, quem sou eu?

Desespero. Desespero. Desespero.

Minhas mãos buscavam algo em minha mochila.

Vazio. Desespero. Vazio. Desespero.

Encontrei.

Eu não era ninguém. Eu nunca fui ninguém. Eu nunca serei ninguém.

Fechei os olhos e apertei o gatilho.

Vinte anos. Era a hora de encontrar Ruby Grace.

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