Toc, toc.
- Yago!
Seus olhos se abriram. Não se deu conta, mas havia dormido no meio de um desenho. Ele ainda estava sonolento, deveras, pois passara a madrugada desenhando.
- Que saco... - sussurrou. Se era dia ou noite, ele não sabia.
Novamente, sua irmã batera de novo na porta.
Toc, Toc.
- Yago, acorda, o jantar está na mesa.
De uma vez ele desperta. "Já é de noite?", pensou, e começou a se erguer, e ao seu redor via sua cama bagunçada, e sua mesa cheia de papéis rabiscados.
- Rabiscos sem significado é o que tenho feito - dizia, para ninguém e para qualquer um, enquanto se vestia - há semanas que não crio nada.
Mas seus fantasmas apenas escutaram calados o seu desabafo. Pareciam se sentir culpados pela falta de inspiração de seu senhor.
- Sardinha com arroz, que legal - disse um de seus fantasmas, ele era pequeno, como um gato, porém longo e de dedos compridos e irregulares. Este era negro e transparente, fumegando constantemente.
Yago estava no sofá, comendo em frente à televisão. Seu pai estava numa cadeira ao lado. Estavam assistindo a um noticiário.
- Pai, pai! - disse sua irmãzinha, correndo ao seu encontro com papéis rabiscados - Olha o que Yago desenhou!
Meu pai ficou horrorizado ao ver meus desenhos, mas não os culpo, de fato são horrendos.
- Filho, - disse ele, tirando seu óculos, era um dos raros momentos em que ele estava sóbrio - Por que seus desenhos são tão cinzas, com criaturas tão estranhas...
Do meu lugar do sofá eu via, mesmo num ambiente escuro, o traço de uma mulher mutilada, com os seios desnudos e sangrando. De sua boca saia uma língua feroz, e de suas feridas saia um líquido negro... e claro, vários fantasmas ao redor, cercando e mantando essa mulher... eles nem perceberam a grande sombra que ela projetava.
"Oras, essa é a forma como vejo o mundo", pensei, mas em resposta disse:
- Eu estava apenas testando novos estilos. - e em seguida tomei minha sopa.
- "Testando novos estilos", - repetiu seu pai, e colocou de volta seus óculos - isso é só uma forma de fugir da realidade. Você não sai desse quarto. Se saísse mais, não perderia tempo desenhando besteiras.
"É ai que você se engana, pai", pensou Yago, "A realidade é uma representação de minha arte. Eu só uso minhas asas, essa é a diferença entre nós dois". Sabia que seu pai era um ótimo pintor, mas desde que começou a trabalhar, esquecerá os passatempos, e passara a beber nos tempos livres. Desde que sua mulher morrera de overdose, perdeu prazer em voar.
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Psicose Cinzenta
HorrorNarra a história de um jovem anti-social que mora somente com sua irmãzinha e seu pai alcoólatra, onde este, passa a maior parte de seu tempo desenhando sob a companhia de seus fantasmas. Mal sabia ele que seu passatempo, seu passado e seus fiéis co...