retocando rascunhos

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- Sente-se, Yago, eu estava a sua espera.

Disse o psicólogo, no momento em que entrei em sua sala. Havia ao lado da cadeira dele uma poltrona confortável, e o ambiente era organizado, e as paredes deprimentes. Eram cinzas.

- Perfeito - disse Ghatta, subindo nas prateleiras onde ficavam os livros.

"De quem foi a ideia de me colocar no mesmo hospital onde aquele garoto estava sendo tratado do olho?", pensou, mas em resposta, Est disse:

- A diferença é que, mesmo em pedaços, você ainda pode ser recuperado.

Yago se segurou para não gritar com Est. Não era possível que até essa criatura abominável estaria contra ele.

Por fim, Yago se sentou. Ele estava numa posição onde não tinha contato visual com o psicólogo. Talvez para ele não se sentir constrangido. O profissional, então, começou se apresentando, falando um pouco dele, meio que se abrindo, e fazia perguntas leves no começo, mas para saber tudo o que Yago viveu.

- Ele só quer manipula-o a dizer o que ele quer saber - dizia Locuta, ao redor do pescoço dele. Se ele fosse capaz, o teria enforcado ali mesmo.

- Então, Yago, - perguntou Albert, o psicólogo - você mora com seus pais?

- Eu moro somente com meu pai e minha irmã. - disse - Minha mãe morreu de overdose.

- Você se sentiria a vontade em desabafar como foi que você descobriu isso?

- Bem... - estava pensando - lembro que cheguei da escola com minha irmã, e vimos ela no sofá, fora de si. Seu corpo estava lá, mas sua mente estava distante.

Ainda era nítido a forma como sua irmã gritava aos choros pela sua mãe no sofá. Tudo o que ele lembrava era também de um cinzeiro ao redor, cheio de cinzas e fumaças. Ele ainda sentia perfeitamente o odor daquele cigarro.

- O seu pai os tratou de outra maneira após essa tragédia?

- Pra falar a verdade, todos nós meio que ficamos diferentes. Comecei a criar nojo de qualquer coisa que fosse referente a drogas, desde aquele dia.

- Como eram os perfis de seus amigos?

"Alguns ressurgem, outros somem, mas há três inseparáveis. Um é atrevido, o outro sempre me quer fazer pensar duas vezes, o mais assustador não sabe o poder que tem", pensou, mas jamais ousaria em falar esse tipo de coisa.

- Bem... - o que vou dizer? - eu nunca fui alguém de ter amigos. Eu via as crianças brincando, e era o último a ser escolhido em qualquer coisa... quando cresci, minhas interações foram se extinguindo.

Há tempos Yago não pensava mais na sua infância. Desde que começou a faculdade em design, ele estabeleceu esse dia como se fosse o início de sua vida. Ou seja, todo o seu passado inútil tinha de ser esquecido. Lembrando bem, essa foi uma das melhores decisões que já tomou.

- Com qual frequência seus pais lhe davam atenção?

"quase nunca".

- Sempre que podiam.

Yago lembrou que foi em torno desse tempo que começou a criar amigos imaginários. Ainda tinha seus sete anos. Antes, só falava, não se recordava de quando começara a vê-los. Ele cresceu, mas seus companheiros nunca se dissiparam. Como forma de evitar mais constrangimento, ele simplesmente fingia que eles não existiam.

"E não existem. Assim como todas as cores que vejo. Assim como as sensações de toque que sinto. Ilusões de minha mente. Assim como meus ideais, axiomas".

Psicose CinzentaOnde histórias criam vida. Descubra agora