Capítulo 02

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Naquela manhã depois de correr mais de uma hora com meu pai, fui para a Anzook. A casa funcionaria à noite e eu gostava de acompanhar todos os preparativos nos dias de funcionamento.
Quando entrei pelo salão principal Tathiana e Marcio estavam sentados nos bancos que rodeavam um dos bares envolvidos em uma conversa que mais parecia uma discussão.
Jonas o chefe dos barmens piscou para mim e revirou os olhos em direção aos dois enquanto organizava sua pilha de copos.

- As coisas estão tensas por aqui? – subi em um dos bancos colocando minha bolsa sobre o balcão.

 - Quando é que não estão? Eles não sabem resolver nada sem discussão. – disse Jonas.

Tathi bateu no balcão de mármore atraindo subitamente a nossa atenção.

 - Você não vai ferrar os meus clientes nem o meu trabalho. – vociferou ela.

A loira estava furiosa, suas bochechas tomaram um tom avermelhado que só acontecia quando alguém conseguia tirar ela do sério.
Marcio apoiou o peso sobre o banco e cruzou os braços de forma calma, observando-a surtar. Ao contrario da minha melhor amiga, ele era um cara calmo, tão calmo que a fazia perder ainda mais a paciência por não entrar na sua discussão.

- Tathiana, seus clientes ferraram a minha área vip pela segunda vez e nem sequer pagaram pelo prejuízo.

- Eles vão pagar, eu estou dizendo, eles vão p a g a r. – disse ela pausadamente. Por um momento achei que suas mãos que tanto gesticulavam grudariam no pescoço dele.
Segurei o riso e Jonas arqueou a sobrancelha com uma expressão de "O que você está aprontando nessa mente mocinha?".

 Poxa eu me divertia.

 - Quando? Depois que quebrarem outra vez? As dividas só acumulam, e pra um bando de playboy eles não estão nem se importando em paga-las. – ele saltou do banco juntando os papeis sobre o balcão. – Então, prefiro eles longe daqui.

 - Ela vai agredir ele. – Jonas murmurou largando os copos e encostando-se ao balcão.

 - Seria cômico se não fosse tão trágico. – ri.

 Tathi trabalhava com a publicidade da Produtora Gallápagos que pertencia a minha família, e na Anzook ela cuidava pessoalmente das listas exclusivas para convidados. A responsabilidade em trazer convidados importantes como figuras publicas eram dela, onde em conjunto com a assessora de imprensa eram feitas divulgações de celebridades na casa aumentando ainda mais visibilidade e o nome.

O que muitas vezes acontecia era que lidar com um público famoso ou influente podia ser um grande pé no saco. Muitos não sabiam ter educação, tratavam nossos funcionários com grosseria porque achavam que por serem celebridades deviam ser endeusados, e em alguns infelizes casos acontecia de serem quebrados objetos que pertenciam a casa por estrelas imbecis e suas brincadeiras ou brigas estupidas.

E havia sido exatamente por esse motivo que meu pai me manteve longe dessas tarefas, eu nunca soube me controlar diante do estrelismo dessas pessoas.

Aconteceu quando eu tinha dezoito anos, quando estávamos produzindo a festa de lançamento de um dos artistas do escritório, e a esposa do rapaz – que também era a produtora - exigiu que no bife tivessem bolinhos de bacalhau exclusivamente para o seu marido.

Há.

 Atenciosamente informei que não fazíamos esse tipo de coisa para nenhum de nossos artistas.

- Onde já se viu ignorar o pedido do maior artista da sua produtora. – berrou a ruiva com fisionomias de um cavalo.
A produção que estava a todo vapor montando os últimos detalhes pararam por algum instante olhando diretamente para nós.
Minhas bochechas instantaneamente ficaram mais vermelhas que a cor horrível dos cabelos dela.

 - Senhora, você está sendo inconveniente em gritar assim. – murmurei entre dentes.
"Você deve fazer com que toda a produção se sinta bem filha." A voz do meu pai soprou ao fundo da minha mente enquanto o sangue em meu corpo esvaiu-se.

 - É ridícula uma empresa não cumprir exigências feitas pelo artista assim, vocês são amadores demais para nós. – continuou a mulher.

 Meus olhos percorriam todo o salão e todos estavam com a atenção apenas em nós.

 Ela não falaria daquela forma da minha empresa.

 Ahhh... Não mesmo.

   "Você deve fazer com que toda a produç..." DANE-SE a produção.

 - CALA A BOCA. – Vociferei para a louca que arregalou os olhos em surpresa. - Eu vou arrumar a merda do seu bolinho, mas antes você vai desaparecer da minha frente antes que eu faça com que eles entrem por outro lugar em você e nesse seu marido imbecil e não vai ser pela boca.

 As risadas das pessoas a nossa volta me deram uma sensação vitoriosa, a mulher continuava ali com a expressão assustada e a mão sobre o próprio peito.
Os lábios se abriram prontos para dizer, mas eu bati o pé na sua frente ameaçando ir para cima dela.


 Naquele dia fui embora mais cedo, depois de eu ter encontrado na feira uma caixa completa com o bacalhau mais fresco de São Paulo e presentear o camarim do marido dela com os maiores pedaços.
Os comentários finais foram que pelo cheiro, a festa havia sido feita na maior peixaria da cidade.
E desde aquele castigo, sermão e tudo que enfrentei do meu pai ele decidiu me manter longe dos artistas e eu o agradeci por isso.

 - Eu não acredito que vou perder meu melhor contato por causa do Márcio. – Tathi bufou do outro lado.

 - Ele ta certo e você sabe bem disso, errado é deixar esses caras entrarem aqui outra vez.

 - Mas Gi a casa sempre tem um retorno legal nos sites quando eles aparecem.

 Choramingou ela.

 - A casa e você. – segurei a risada, mas era impossível. Éramos amigas há Dez anos, estudamos juntas, cursamos a mesma faculdade juntas, crescemos juntas e não havia ninguém que eu conhecesse tanto e que me conhecesse tanto como ela.

 A beleza que Tathi tinha ia muito além dos cabelos loiros e dos olhos azuis, ela tinha simpatia, era atenciosa e mais extrovertida do que eu conseguiria ser.

 Era sua forma, seu jeito que não só atraia olhares mas o coração de muitos clientes da casa. O que poucos sabiam era que ela seguia sua liberdade, seu coração voava junto com suas ideias e ela nunca se prendia a ninguém. Nisso éramos iguais.

 - Talvez eu um pouquinho também. – o sorriso se estendeu pelo canto dos seus lábios.
Essa era a Tathi que eu tanto conhecia.
Peguei minha bolsa e segui para o escritório deixando-a para trás.

- Você precisa ser feliz também. – Berrou ela.

 - Eu já sou muito feliz. – gritei de volta sem olhar para trás.
E relacionamentos não me faziam felizes.

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⏰ Última atualização: Jan 06, 2017 ⏰

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