1.Almas que se cruzam.

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—Moro em uma cidade pacata, no centro-oeste brasileiro, aqui não acontece muitas coisas novas, as pessoas estão acostumadas com as mesmas notícias, "fulano foi roubado" "ciclano bateu o carro" "fulano morreu de cheirabundite". Costumo entrar na internet para ver os outros lugares, as praias de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, ou as dunas de Natal, qualquer coisa que me tire do tédio. Os garotos daqui gostam de soltar pipa nas férias, eu não entendo a complexidade daquilo, mas nunca tive dom pra isso. Enfim, para não dizer que tudo é ruim, tem a Maribel, minha vizinha, que acabara de se mudar, com suas ondas negras, e aquele olho castanho. Ela é o motivo desta historia, o motivo de eu estar morto, ou pelo menos, quase isso.
...***...

     Era uma manhã de verão, o sol entrava forte pelas janelas do quarto, não haviam cortinas, apenas algumas vidraças, de vidro fosco mesmo. Enfim o verão, havia começado, livre de aulas, de professores mandando tarefas, e dos caras do colégio, apesar de na maior parte do tempo serem "legais", acabava sendo cansativo ficar com eles.
Apesar de poder dormir até tarde naquele dia levantei cedo, e logo me aprontei, escovei os dentes, vesti uma roupa leve, e estava decidido a sair, e aproveitar a pacata cidade. Minha mãe como sempre havia preparado o café da manhã, pois meu pai saia cedo para trabalhar. Um copo de leite, dois pães com presunto, e eu estava pronto para ir pra rua, até que fui surpreendido pelo desapontamento maternal:

— Filho, já que está de férias, podia tomar jeito, fazer algo bom, pensado nisto, te escrevi na ajuda aos pacientes do senatório infantil. - falou dona Lili, a minha mãe, com voz de satisfação.

— Poxa mãe, não pode ir me marcando nessas coisas, eu tinha planos - murmurei.
— Ficar vadiando?! Não é planos, vê se toma jeito Joshua, e se apresse, lá começa as 10:00 horas- completou.
Minha mãe não é como as outras mães, se ela coloca algo na cabeça, ninguém tira, provavelmente isso foi ideia do pessoal da igreja, pois depois que descobriram que eu era ateu, não me deixaram em paz, "Lili, não pode, um rapaz de 17 anos, não pode ser ateu, Deus tem piedade, a juventude tá perdida!" diziam elas.
Eu realmente não tinha o que fazer, voltei ao espelho, e olhei aquele rosto, olhos pretos, cabelos pretos, pele parda, meio mulata, nada diferente, nada que chamasse atenção, talvez por isso ainda não houvesse arrumado uma namorada, ou apenas não tinha comprado uma motoca, aqui no Brasil, ou você compra uma moto, ou nasce bonito.
Desci as pressas, sai quase sem fechar a porta, já eram 9:00 horas, e eu não demoraria menos de 40 minutos de ônibus. Para minha surpresa, os pais de Maribel estavam saindo com ela, fiquei estonteado quando ela olhou para mim, ai apressei os passos e corri mais ainda. Maribel mudou-se para a casa ao lado, mas seus pais ainda trabalhavam em Goiânia, cidade próxima, a garota não era de muito papo, sempre usando blusas de mangas longas, mesmo no verão, pelo pouco que sabia dela, parecia ser diferente das garotas normais, ela não era mesquinha, nem olhava como se achasse que era a dona do mundo.
Quase perco o ônibus, e de longe vejo o carro dos pais de Maribel levando-a, na mesma direção, "tão linda, tão doce, tão inalcançável" pensei, enquanto o ônibus lotado seguia viagem.
Meu pai comprou um carro, porém quase não andava nele, pois ele usava para ir ao serviço, e só chegava ao anoitecer, trabalhando como um robô, "será que ele sonhara com isso" me perguntei enquanto levantava para dar o sinal de parada.

...***...

"Irmãos, nesta manhã iniciamos os trabalhos comunitários, onde pessoas podem ajudar outras pessoas, cada um ficara com um parceiro, vale ressaltar que nem todos aqui tem exatamente problemas mentais, porém tomem cuidado com as palavras, e um ótimo dia". Concluiu a mulher do senatório.
Parece que todos ali estavam ansiosos para aquilo, sentados em uma grande sala, que mais parecia uma igreja, uma senhora passava com um potinho com o nome das pessoas que ficaríamos, eu esperava, enquanto ouvia a mulher, que agora falava mais religiosamente:
"Deus nos deu a alma, e o corpo, se pecamos, sujamos alma, abrindo mão da vida eterna, e ..." continuou a mulher.
Por algum tempo fiquei ouvindo o que falava aquela mulher, depois comecei lembrar do que meu avó me dizia, ele era um cara inteligente, vivia contando historias, e uma vez ele me contou: "Os céus se abriram, e os anjos caíram, esses foram expulsos do paraíso, vagando eternamente na terra, ou aprisionados no inferno, todos sedentos pelas almas humanas..." meu tio acreditava que as almas eram o fragmento mais precioso, mas não era o único. " A alma tem nossa essência, nossa força, e nossos sentimentos, se perdermos nossa alma, morremos no céu, e assim que o corpo morrer, desaparecemos".
Um dia perguntei a ele:
— Vovô, como perdemos a alma?
— Quando se matamos, ou quando nos roubam ela... - responde-me risonho.
...***...

— Seu papelzinho garoto! Retire um para saber quem sera seu parceiro! - disse uma moça, acordando-me do mundo dos pensamentos.
— Ah, claro! Foi mal, estava "viajando" aqui. -respondi, pegando o papel na cestinha.
Ao abrir o papel, me surpreendi:

     Agora sim algo de bom começara a acontecer, finalmente eu iria poder conversar com ela, mas pera ai, qual será o problema dela ?

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Agora sim algo de bom começara a acontecer, finalmente eu iria poder conversar com ela, mas pera ai, qual será o problema dela ?

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