Um reencontro

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Jogia, seu nome foi escrito no coração de Olivia, e apagado na luz das estrelas. Sentiu o seu peito queimar pela última vez em dez anos, e então os anjos puderam entoar o seu último canto. O garoto com o coração de ouro hoje descansa. Os filósofos escrevem que o câncer vem como um ladrão silencioso durante à noite, roubando-lhe tudo o que é mais precioso, a vida.

  "É claro como o mais cristalino oceano, todos nós iremos morrer um dia, mas por que tão cedo? Memórias não serão o suficiente para aguentar a dor insuportável, pois o que a vida pode nos trazer, a morte jamais poderá conceber." - De Elizabeth para o meu Querido anjo.

Ninguém naquela cidade conseguia agir normalmente, todos conversavam como se estivessem tramando planos criminosos ou algo parecido em total sigilo. Ninguém os culpa, tudo aquilo era normal dada às circunstâncias.

Para mim, tudo mudou, perder uma pessoa querida nunca é fácil, minha mente mergulhava em um oceano de tristeza e a preocupação dos meus pais era o surgimento de uma depressão. Foi em uma sexta-feira que meus pais planejaram uma viagem para a casa dos meus tios por alguns meses "até as coisas melhorarem". Algo que eu não podia recusar, a minha mente não me permitia teimar. Desaparecer seria um fato louco e ideal.

Depois de alguns dias (não posso me lembrar de quantos) algo aconteceu, um simples ato que pôde sarar algumas feridas. Minha mãe abre a porta do meu quarto vem até mim me abraçando como nunca antes, dizendo palavras que me fizeram lembrar de que um dia a vida fez algum mínimo sentido: "Tempos ruins vêm para que possamos aguentar os melhores. Eu amo muito você, minha pequena Olivia!". E então ela saiu sem dizer mais nada, aquilo era simples, mas o suficiente.

O táxi estava à minha espera, minha mãe me agarrou pelos braços e me abraçou muito forte. Eu realmente não queria que aquilo parecesse a cena final do bom e velho filme 'Titanic', mas a emoção foi muito mais forte do que eu imaginava, igual uma sintonia de Mozart um pouco mais dramática e menos sofisticada. Acho que é isso que despedidas são capazes de fazer.

— Filha, como eu disse antes, serão só alguns meses até você se sentir melhor, certo?! — Ela não se referia somente a mim quando alertou sobre o meu bem-estar sentimental.

— Eu entendo, vai ficar tudo bem, mãe! —, eu disse chorando.

— Você vai ficar bem, querida. Estamos fazendo isso porque te amamos! — Afirmou meu pai com a voz muito baixa e quase rouca, ele não era sentimental, mas dava para notar o tom de tristeza e preocupação em cada palavra.

— Claro. São só alguns meses, eu aguento! —, eu mentia muito bem.

Entrei no táxi e seguimos até o aeroporto mais próximo da cidade onde eu morava. O Canadá não é um lugar pouco populoso, bem pelo contrário, existem muitas cidades comerciais e residenciais que são ocupadas por muitas pessoas. Mas ainda assim, não apagava o fato de que existem lugares isolados que afastam moradores e iluminam turistas do outro lado do mapa somente para observar as grandes florestas e os vastos rios congelados. Como eu disse antes, nada de diferente acontece, pessoas desconhecidas vão e vem, e é isso. Muito diferente do lugar que estarei em poucas horas, tudo lá é super valorizado, os costumes, as conversas e a até as roupas. Eu não podia esconder a ansiedade e o medo de não ser aceita em um lugar tão diferente como a grande Nova Iorque. Uma cidade onde o 'mundo dos negócios' toma forma de maneira descontrolada, pelo menos é o que as pessoas da minha cidade dizem, ou o que meus pais dizem, isso porque eles nunca aprovaram a ideia maluca dos meus tios se mudarem para a grande selva capitalista atrás de um belo emprego e, quem sabe, um iate. "Tudo é possível", era a frase de efeito que meu tio Walter sempre entoava aos meus pais que automaticamente faziam uma careta desafiadora.

O dia em que meu tio foi avisar ao meu pai sobre a sua mudança oficial para os Estados Unidos, ficou conhecido como 'O dia da tragédia grega'. A conversa começou até civilizada e terminou em uma batalha de titãs, observem:

— Você só pensa em dinheiro, dinheiro e dinheiro. Não sabe que a vida é mais do que isso, Walter?

— Eu só quero ser livre para fazer o que nunca fiz, isso nós conseguimos com dinheiro, e não falo de pouco.

— Claro que sim, você está totalmente certo, dinheiro pode garantir tudo, especialmente uma bela carta de divórcio, certo?

— Não ouse dizer isso ou...

— Ou o quê? Não é minha a culpa se você é um covarde!

— Quer saber, dane-se você, me ligue quando se recuperar da sua mente patológica. Não vou perder meu tempo aqui.

— Pode deixar, vou cuidar para que isso não ocorra tão cedo.

  E essa foi a ultima discussão que os dois tiveram. Meu pai nunca foi do tipo durão e birrento, mas o meu tio tinha o dom de fazê-lo perder a cabeça por besteiras. Passou-se o tempo e aparentemente a recuperação da "mente patológica" do meu pai foi curada com o surgimento de uma pior, a devastadora e quase incurável culpa. É claro que meu estado mental não era culpa dele e nem de ninguém, e eu não queria que ele se sentisse traumatizado pela minha tristeza, mas eu não podia fazer nada além de falhar em tentar convencê-lo disso. Talvez seja um recomeço não só para mim, mas para eles dois também.

Ao chegar ao aeroporto apresentei minha identidade para uma atendente muito simpática e fui rapidamente encaminhada para o avião. Meu assento ficava ao lado da janela, isso me causou um certo desconforto no começo da viagem, mas passou tão rápido que eu nem pude perceber. Coloquei os meus fones de ouvido e me perdi nas nuvens ao som de Strangers da banda The Dirty Secrets, a minha segunda preferida ficando atrás de The Beatles,"Deus, como podem ser tão bons? ". Passaram-se quase cinco horas de voo sem paradas e finalmente chegamos ao destino final. Desci do avião usando um óculos para esconder os meus olhos inchados de sono, e esperei pelo meu tio e sua esposa Anna no meio do aeroporto. Não demorou muito para que eu os avistasse de longe com uma plaquinha amarela escrita: "Olivia, seja bem-vinda". Como eu amava meu tio Walter, desde pequena ele me enviava cartas carinhosas dizendo o quanto sentia a minha falta e que quando as coisas melhorassem iriamos nos ver. Bom, esse dia finalmente chegou, só que não no melhor momento da minha existência. Quando me aproximei, Walter veio correndo me abraçar dizendo o quanto estava infinitamente feliz em me ver, e que tentaria fazer desses dias os mais felizes da minha vida. Um certo exagero, nós dois sabíamos que só seriam alguns meses e que eu não poderia esquecer tudo o que aconteceu tão rapidamente. Não sou fraca, apenas verdadeira comigo mesma.

— Meu anjo, esta é Anna. Eu te enviei algumas fotos nossas do verão passado, lembra?

Com certeza eu lembrava, ninguém conseguiria esquecer aquelas lindas imagens do casal apaixonado na cidade de Bruxelas.

— Sim. Eu me lembro —, eu disse me virando para observar Anna —  É um prazer conhecê-la pessoalmente.

— O prazer é todo meu, querida! —virando-se para Walter dizendo com a voz baixa — Que gracinha ela é, amor.

Anna é o tipo de mulher que encontramos em capas de revistas de moda, com olhos verdes, cabelos loiros, alta e magra. Me lembrou dos comentários de meu pai quando a olhava pelas fotos e afirmava que o dinheiro pode comprar um belo carro com alguns brindes dentro. Ciúmes? Talvez.

— Eu não te disse?! — Respondeu Walter com um sorriso imenso estampado no rosto.

— Bom, vamos para casa agora. Temos um jantar maravilhoso de boas-vindas nos esperando.

Sem eu perceber, minhas malas já estavam nas mãos do meu tio que, apressadamente, foi em direção à saída esperar o motorista do aeroporto trazer o carro que nos levaria embora para casa. Eu não via a hora de sair dali, estava exausta e faminta.

Era estranho, mas eu sentia que tudo poderia mudar, afinal, minha vida sempre foi tão monótona, as chances de eu não conseguir voltar à mesma Olivia eram poucas. Isso me aliviava, pois minha opinião mudou, antes eu não queria estar ali e agora eu não quero voltar.

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