Os Contos de Nossas Vidas

Ditadura Disfarçada

Vivemos em um país livre. Claro, desde que você trabalhe e/ou estude, pague suas contas, seus impostos, não incomode seu vizinho, leve as crianças à escola e aceite os serviços precários que o governo oferece sem reclamar. Assim, quem sabe, você pode se aposentar, caso não morra antes atingido por uma bala perdida, ou na fila de um hospital, ganhar um salário mínimo e, com sorte, morrer de velhice. Mas caso você não se conforme com a situação e resolva expor sua opinião, cobrar seus direitos e ir às ruas para se manifestar, então se prepare, pois você estará violando todas as regras da sociedade, sendo considerado um marginal, desordeiro, fora-da-lei, um pária que deve ser severamente calado, punido e sentenciado.

Hoje, na passeata, éramos mil ou duas mil pessoas, ou, quem sabe, mais! Quem sabe quantas pessoas estavam em suas casas, mas com seus corações ali conosco? Com seus sonhos, anseios de um país mais justo, um país igual para todos? Não sei dizer quantas, porém sei dizer quantas apanharam, levaram tiros de bala de borracha, receberam dezenas ou centenas de gás lacrimogênio em sua direção, que deixaram o ar irrespirável, um ar que queimava todo o rosto, as narinas, a boca, os olhos. Éramos mil ou duas mil pessoas, quem sabe mais, quando fomos atacados pelas costas covardemente por quem deveria servir e nos proteger. Não tínhamos armas, paus, pedras ou qualquer objeto e nem fizemos menção de atacar ou agredir ninguém. Tínhamos apenas, em nossos corações o sonho de um país melhor, com o Hino Nacional em nossa mente e em nossa voz.

Nosso crime foi não aceitarmos calados o que nos empurram goela abaixo, foi acordarmos para a realidade à nossa volta, não concordarmos com a corrupção e roubalheira, com as falcatruas do nosso governo. Nosso crime foi abrirmos nossa boca e mostrarmos nossa indignação. Como em qualquer ditadura ou em qualquer governo opressor, isso é como um atentado terrorista, ou, pior, deve ser severamente contido, punido e aniquilado. O governo não pode ser contestado ou contrariado, nunca, jamais. Será mesmo?!

Hoje nós fomos para as ruas, apanhamos, corremos, choramos e tomamos tiro de borracha, é verdade. Valeu a pena? E como valeu! Hoje, fizemos com que o Brasil inteiro descobrisse que vivemos em uma Ditadura disfarçada.