Risquei o fósforo e joguei nas cortinas, rapidamente o fogo serpenteou pelo tapete chegando aos pés dos meus pais amarrados nas cadeiras da sala de jantar. Mamãe começou a gritar, mas a fita adesiva em sua boca a impedia. Papai já estava morto, ele caiu de um jeito estranho da escada.
Eu tive que fazer isso ou eles jamais iriam parar. Olhei para minhas cicatrizes nas mãos uma última vez e as enfiei no fogo.Anos depois.
Lilian Parks comprou a casa logo que soube dos estranhos acontecimentos que ocorriam ali. Ela era uma investigadora de casos sobrenaturais, mas nunca tinha visto nada do tipo. Sua carreira começou quando o pai de sua filha, um cafajeste rico, foi morto brutalmente com pregos e um martelo. Não acreditando que pessoas comuns fossem capazes de tamanha crueldade, Lilian buscou respostas, procurando por seres que não deveriam estar nesse mundo.
Sua filha Maggie correu para dentro da casa atrás de um de seus amigos fotógrafos, Mark nunca acreditava que eles fossem encontrar alguma coisa. Até então, ele estava certo.Cintia e seu irmão estavam descarregando as malas do táxi enquanto Lilian anotava os aspectos da casa por fora. As paredes eram cobertas por hera, janelas escancaradas, cortinas esvoaçantes e desbotadas pelo sol. Ela deu a volta pelo jardim cheio de ervas daninhas, e encontrou um pombo morto, no qual pisou antes de vê-lo. Ele não possuía uma cabeça, mas Lilian não achou isso importante.
— Mamãe! Eu achei brinquedos. – Maggie correu ao encontro de sua mãe segurando pequenos bonequinhos de madeira. Lilian os achou feios, mas não quis estragar a felicidade da filha. Ela a pegou no colo e sorriu.
— Foi uma longa viagem. Está com fome?
A criança assentiu, então Lilian entrou na casa reparando em todos os detalhes. Haviam quadrados nas paredes, marcados por retratos que um dia foram pendurados ali. A casa já estava mobiliada, as pessoas que moraram nela após o grande incêndio acabaram mortas. Os últimos que viveram ali, se afogaram nas banheiras, mas o filho do casal sobreviveu e desde então, a casa estava intacta. Por isso Lilian trouxera Maggie, ela estaria segura e poderia ajudar a desvendar o que acontecia ali.
Na cozinha, Cintia pegara pratos dos armários para preparar o jantar, mas assim que abriu a torneira, o que saiu dela não parecia água. Um líquido marrom e denso escorreu pelos primeiros cinco segundos e depois parou.
— Que nojo! Não nos avisaram sobre o encanamento da casa, Lili? – Cintia se afastou da pia.
Lilian fez uma careta e negou com a cabeça. Maggie estava rindo de algo que via acima do ombro de sua mãe. As duas mulheres se viraram e se assustaram com a aparência de Calebe. O líquido marrom escorria pelo seu rosto e seu peito e havia uma toalha em volta de sua cintura.
— Parece que o problema está na casa toda. – disse ele.
Mark sugeriu uma pizza e Cintia mandou o irmão tomar banho na casa de algum vizinho. Lilian terminou de instalar as câmeras nos quartos e os detectores de movimento. Cada um ficaria em um cômodo naquela noite, preparados para o que viesse, mas muitos estavam descrentes, exceto Lilian. Ela sabia que tinha algo errado com as mortes das pessoas que moraram entre aquelas paredes. Maggie demorou muito tempo para dormir e Lilian só a deixou sozinha depois disso. Cintia e Calebe também ficaram no andar de cima em quartos diferentes. Mark já estava babando em um dos sofás na sala quando Lilian desceu, ela seria a primeira a ficar acordada, então fixou os olhos nas imagens da câmera que eram reproduzidas no notebook. As doses de café que ela tomou mais cedo não fizera efeito e logo Lilian também dormia.
Algo pegajoso e frio tocou a bochecha de Maggie. Seus olhos se abriram procurando por algum ponto de luz. Havia um pequeno abajur ligado ao lado da porta. Aquele quarto tinha brinquedos e ela não perdeu a oportunidade de espalhá-los pelo chão. O toque em sua bochecha ainda a incomodava, Maggie limpou com as costas da mão e esfregou os olhos.
— Mamãe? – ela olhou para o lado, mas não havia ninguém na cama.
A criança inspecionou o quarto e parou os olhos em um ponto que a luz não alcançava. Alguma coisa se escondia nas sombras, as mãos estavam visíveis, mas Maggie não achou que aquelas fossem as mãos, eram tortas e não tinha dedos, mas haviam algumas unhas crescendo nas pontas. A criatura encolheu as mãos se escondendo.
— Quem é você? – Maggie perguntou, não com medo, mas curiosa. Gemidos e sussurros chegaram ao seu ouvido em resposta. – Porque você quer fazer isso?
Dessa vez não houve resposta. No andar de baixo, Lilian acordara com a voz de Maggie que soava nos headfones que ela usava. Ela se sentou rapidamente e olhou atentamente a filmagem do quarto da filha. Maggie olhava fixamente para um ponto escuro do quarto. Lilian jogou uma almofada em Mark.
— Acorde, Mark. Venha ver isso.— É por isso que você ficou com as mãos assim? – Maggie perguntava.
Mark se levantou de má vontade e foi observar o que Lilian apontava.— Tem alguém ali com ela.
— Ela deve estar sonâmbula, crianças são assim. É melhor você ir ver.
Lilian conhecia a filha, sabia que ela não tinha esses problemas. Mas resolveu ir checar a garotinha. Ela abriu a porta lentamente, não querendo assustar quem estivesse lá dentro.
— Maggie, com quem você está falando? – Lilian acendeu a lâmpada.
— Não, mamãe! – Maggie decepcionada apontou para um ponto vazio do quarto. – O menininho das mãos tortas foi embora.
— Quem?
— Ele queria brincar comigo.
— E o que mais ele disse?
— Disse que ia me ajudar... Você acha que foi um sonho, mamãe? – Lilian não queria que a filha acreditasse naquele mundo.
— Acho que foi, sim, querida. Porque não volta a dormir e... – Lilian ouviu um barulho na escada. – Eu já volto.
Lilian não terminou de descer as escadas assim que encontrou Mark lá embaixo, em uma posição desagradável, onde sua cabeça se encontrava um pouco fora de seu pescoço. Os olhos abertos do rapaz encaravam o teto. Antes que Lilian esboçasse uma reação, ela ouviu o grito de Cintia e correu até o banheiro em que estava.
Calebe estava imerso na banheira cheia da água suja com pedaços estranhos de algo que parecia pele humana e dentes, apenas suas pernas estavam para fora.
— Cintia, precisamos sair daqui. – Lilian puxou a amiga pelo braço que já estava aos prantos.
Mas antes que Cintia conseguisse acompanhar Lilian, a porta do banheiro se fechou entre delas. Cintia começou a gritar esmurrando a porta e Lilian tentou fazer o mesmo. Mas nada a abrira, então os gritos cessaram e Lilian sentiu algo molhando seus pés. O sangue saia por baixo da porta manchando toda a superfície do chão. Lilian saiu correndo para o quarto em que a filha estava e a pegou no colo. Passou por Mark, pulando seu corpo, pegou as chaves da porta e correu para a entrada, mas antes que conseguisse sair. Algo pegajoso agarrou seus pés a fazendo cair, Lilian gritou tentando se desvencilhar do que a segurava. Maggie, assustada, começou a chorar.
— Maggie, corra para fora! – a criança obedeceu a mãe pela última vez.
Em seguida Lilian sentiu a quentura do fogo que a engolia. A porta se fechara e Maggie não conseguiu entrar de novo. Mas observou a janela da sala, as cortinas já pegavam fogo e logo atrás delas, o garotinho acenava com uma de suas mãos tortas, sorrindo para ela.
