Finalmente meu pai havia deixado Mike dormir em casa, eu sabia que era difícil para ele, afinal Mike era um garoto um tanto estranho. De qualquer forma, eu o amava e nunca desistiria dele. Gostaria que minha mãe estivesse aqui para conhecê-lo, mas ela havia morrido há alguns anos atrás, eu tentava esquecer isso todos os dias, mas não era tão fácil.
O dia pareceu não passar, minha empolgação exagerada ajudou muito nisso e quando a noite finalmente chegou, a campainha tocou e corri para abrir a porta. Mike chegou com seus símbolos tatuados expostos, os quais eu não fazia ideia do que significavam, o puxei pela mão. Meu pai apenas acenou com a cabeça quando o viu e foi pra a cozinha, pois estava a preparar o jantar. Deixei Mike no sofá da sala e fui ajudá-lo para não ouvir reclamações mais tarde. Sentei-me a mesa para descascar batatas enquanto ele preparava a carne.
— Eu tenho um mau pressentimento sobre esse garoto... – ele disse finalmente.
— Não o julgue pela aparência, ele é um cara legal e... – não pude terminar a frase, pois minha irmã caçula apareceu correndo e gritando para me assustar.
O que claramente deu certo, pois eu acabei por fazer um corte fundo em meu dedo. Meu pai simplesmente me olhou enquanto o sangue pingava no chão branco e polido da cozinha, nem se quer brigou com a peste loira que ria ao meu lado. Com a agitação Mike apareceu na porta e correu até mim quando viu o que tinha acontecido, pelo menos alguém ali se importava comigo. Ele encarou o talho e depois o colocou na boca mesmo estando sangrando muito, estranhei, mas ele disse que aquilo ajudaria. Fomos para o banheiro e ele fez um curativo em meu dedo, seus grandes olhos verdes pareciam fluorescentes com aquela luz. Quando ele terminou acariciou minha bochecha. Sorri, eu estava feliz por ele estar ali.
Nos reunimos na mesa para comer e não houve muitos diálogos, meu pai custava a demonstrar qualquer sentimento positivo, ele não estava nem um pouco satisfeito com a presença de Mike. Quando finalmente acabou, resolvemos assistir um filme, assim ninguém precisaria forçar uma conversa. Minha irmã brincava no chão enquanto todos fingiam estar concentrados, mas tudo ficou estranho quando ela começou a olhar fixamente para um ponto que parecia ser acima da cabeça de Mike, ela mal piscava.
— O que foi? – perguntei. Ela apertou os lábios e negou com a cabeça, depois seus lábios ficaram extremante pálidos e ela vomitou um líquido negro no tapete.
Assustei-me um pouco com aquilo, ainda mais quando meu pai gritou dizendo para irmos dormir enquanto cuidava dela. Fomos em silêncio, eu esperava que aquela noite fosse mais divertida. Conversamos um pouco antes de dormir, tive a sensação de que ele ainda estava acordado quando apaguei a luz do abajur e isso me incomodou.
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Um som oco seguido de um grito interrompido me fez acordar, quando olhei para o lado vi que Mike não estava ali. Minha respiração imediatamente ficou pesada e por alguns minutos não consegui me mexer. Mas me obriguei a levantar, saí do quarto praticamente em câmera lenta, porém não consegui ver nada de diferente no corredor. Resolvi ir primeiro no quarto de minha irmã, ela dormia tranquilamente. Então fui para as escadas e lá embaixo havia um corpo e um pouco mais a frente... Sua cabeça, um grito escapou de minha garganta e a primeira pessoa que eu pensei foi meu pai. Não tive coragem o suficiente para descer, então corri para o seu quarto com medo de encontrá-lo vazio. Mas quando toquei a maçaneta senti algo afiado e gelado em minha nuca, por mais que eu não estivesse vendo eu podia sentir um sorriso, então tudo o que meu pai disse sobre o garoto que eu gostava era verdade. Gemi ao sentir a lâmina pressionada contra minha pele e o sangue descendo por minhas costas como se formasse um caminho.
Ele me fez virar para encará-lo e eu não podia estar mais errada. Em seus lábios, havia um sorriso macabro e apesar da frieza em seus olhos também havia lágrimas neles, que pingavam sem parar. No momento em que suas mãos tremulas colocaram a faca em meu pescoço tudo ficou claro. Eu podia ver o que minha irmã vira, a fera que parecia ter a pele queimada estava montada em seus ombros, seus olhos vermelhos demonstravam prazer com a cena. Meu corpo tremia e por mais que meus olhos ardessem eu não conseguia chorar.
De alguma coisa eu sabia com certeza que minha mãe não havia tido uma morte súbita e o corpo que gelava aos pês da escada não tinha o mesmo sangue que o meu. Eu estava prestes a ser morta por meu próprio pai e não havia mais nada que eu pudesse fazer.
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