Capítulo 4

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Romeu e Julieta não era de facto, a peça que eu imaginava encenar com Valerie. Mas sim, tal como eu, ela fora escolhida para este papel; aliás, mais ninguém tivera qualquer hipótese, isto é, nem foi decidido nem premiado como habitualmente era feito.

É claro que isso, tornava a peça extraordinariamente especial neste ano. Iria ser, pelo menos segundo Miss Argent; um acontecimento esplendoroso, talvez o maior de sempre.

Como professora de teatro - Miss Argent - começava já a ficar delirante de expectativas na primeira aula em que a vi. Quanto a mim, eu só esperava ansiosamente para que este ano acaba-se para puder seguir em frente com a minha vida. Eu até não tinha propriamente planeado estudar teatro, mas era isso ou qualquer outra disciplina chata e aborrecida. A verdade é que achei que seria uma brincadeira. Sem exercícios, nem testes, nem preocupações. Que poderia ser melhor para um finalista? A mim parecia não haver qualquer tipo de dúvida.

Miss Argent tinha pelo menos um metro e sessenta, com um cabelo pintado de um vermelho-flamejante - começando a tinta já a desvanecer - pele pálida que mostrava claramente as suas sardas de quarenta e muitos anos. Usava uns óculos grandes que ocupavam metade da sua cara e cumprimentava toda a gente com a palavra «Olááááááááá», como se estivesse a cantar a última sílaba - o que era realmente irritante.

Só no primeiro dia de aulas é que reparei em algo fora do normal. Embora o Liceu não fosse grande, ele estava praticamente dividido a meias - entre rapazes e raparigas - e foi, por isso, que fiquei surpreendido quando vi que na primeira aula de teatro a turma era praticamente composta com pelo menos noventa por cento de raparigas - só contei um outro rapaz, o que, na minha maneira de ver, era bom e percebia-se de que ele adquiria mais conhecimento quanto ao teatro do que eu.

Quando Miss Argent mencionou o assunto da peça e disse a todos que Valerie iria ser a Julieta naquele ano. Lembro-me de a mesma começar a bater palmas sucessivamente juntando com forças as suas mãos, soltando assim um som profundamente irritante - continuou a bater palmas até todos nos juntarmos a ela, porque era óbvio que era isso que ela queria.

- Levanta-te, Valerie - disse sorrindo docemente para ela - Deixa que os outros vejam quem és. - E então Valerie levantou-se calmamente e visivelmente envergonhada, voltou-se para trás , e quando me dei conta Miss Argent começou outra vez a bater palmas só que agora mais depressa e com mais força, como se estivesse na presença de uma grande estrela de cinema.

Ora, Valerie é uma rapariga simpática. Admito era mesmo. Onde eu vivia era uma vila tão pequena que só tinha uma única escola primária, portanto tínhamos estado nas mesmas turmas durante toda a nossa vida, e eu estaria a mentir ao dizer que nunca falara com ela.

No segundo ano, ela estivera sentada ao meu lado durante o ano todo, e nós até que tínhamos conversado algumas vezes - poucas eram as vezes - mas isso não iria querer dizer que eu passasse muito tempo com ela nos meus tempos livres. Quem eu via na escola era uma coisa; quem eu via depois das aulas era outra pessoa completamente diferente, e Valerie não estava nem nunca estivera na minha agenda social.

Não é que Valerie não fosse atraente - não me interpretem mal. Ela não é medonha nem nada que se pareça. Ela saí à mãe, que, baseando-me me fotografias que vira, era bastante bonita por sinal. Mas Valerie também não era o tipo de pessoa que eu considerava atraente. Apesar do facto de ser magra, ter cabelo num tom louro-mel e olhos azuis suaves e com ela trazia um ar .. insípido, e isso era quando se reparava nela. Eu sabia perfeitamente que ela não se preocupava muito com o aspecto exterior, pois andava sempre em busca de coisas como «beleza interior» e suponho que era mesmo por isso que ela tinha o aspecto que tinha.

Desde que a conhecera, usara sempre o cabelo para trás, quase como uma rapariga solteirona usaria, sem contar com qualquer pingo de maquilhagem na cara. Isto, juntamente com os seus casacos de malha castanhos e as suas saias sempre com padrões de xadrez, o que isso fazia-a parecer que estava sempre a caminho de uma entrevista numa biblioteca. Até chegamos a considerar que aquilo era só uma fase e que ela acabaria por mudar, mas isso nunca aconteceu.

Pensava em tudo isto enquanto Valerie estava de pé à nossa frente na primeira aula de teatro, e admito que não estava muito interessado em vê-la. Mas, estranhamente, quando Valerie se virou para nos olhar de frente, como que apanhei um choque. Trazia uma saia aos quadrados e uma blusa branca quase como que transporte por baixo de um casaco de malha castanho que eu já vira milhões de vezes. Ela nunca usara maquilhagem e continuava a não usar, mas estava bronzeada, provavelmente por ter estado todos os dias das férias a regar o seu jardim, e, pela primeira vez, parecia.. bem, quase bonita. É claro que afastei logo aquele pensamento, mas, ao olhar atentamente à volta da sala, ela parou e sorriu-me, obviamente satisfeita por ver que eu fazia parte da turma. Só mais tarde é que vim a percebe o porquê.

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