Quando estacionei a moto no fundo da biblioteca notei que haviam vozes vindo da entrada, peguei minha bolsa, pendurei o capacete novamente no guidão e travei a moto. Enquanto me aproximava vasculhava a bolsa em busca das chaves que abriria a biblioteca. As vozes pertenciam à duas meninas com aparência de quinze ou dezesseis anos, que na certa esperavam para fazer algum trabalho de escola.
— Bom dia, meninas!
— Bom dia! — responderam juntas. A baixinha de cabelos ruivos arriscou mandar um sorriso para mim, fiz o favor de devolver o gesto.
— Vou arriscar e dizer que vieram fazer algum trabalho para a escola. — puxei assunto. Destranquei a porta.
— Sim. A professora de história pediu um trabalho sobre os pontos turísticos da cidade. — a ruiva sorriu novamente.
— Pensamos que a biblioteca não fosse abrir hoje. — sua amiga de cabelos curtos e louros pronunciou-se pela primeira vez.
— Fui resolver alguns problemas. — entrei chamando elas para me acompanharem. — Os livros que precisam estão na prateleira seis, se quiserem levar para a casa basta assinar a lista de retirada.
— Podemos fazer aqui?
— Podem usar a sala de estudos ao fim do corredor. — sorri gentilmente.
Os sinos da entrada tocaram anunciando a chegada de alguém, não demorou para que Felipe aparecesse. Trazia em mãos mais uma caixa de doação de livros, pela primeira vez soltei um suspiro exausto. Ele logo percebeu que havia algo de errado.
— Posso saber onde está aquele sorriso lindo de toda semana? Nunca vi você tão desanimada por receber novos livros.
— Você não leu o jornal de hoje? — perguntei me levantando sem pressa para cumprimentá-lo.
— Não. Evito ler jornais, na maioria das vezes eles só trazem péssimas notícias.
— Nunca ouvi tantas verdades! — sorri murcho. Dei um beijo em sua bochecha como de costume e peguei uma caneta que estava sobre o meu balcão para assinar a nota de recibo. — De quem é a doação?
Ouvi o som da porta da sala de estudos abrir e logo em seguida fechar, olhei para as meninas por curiosidade e as vi sentar em uma das cadeiras no centro da sala. Ao meu lado, Felipe vasculhava por entre seus papéis algo que revelasse o nosso amado doador. Vi ele coçar o canto da sua sobrancelha e enrugar a testa um pouco confuso, seu gesto chamou minha atenção.
— Tudo bem?
— Havia um papel com o nome do doador mas, sumiu.
— Sumiu? — arqueei a sobrancelha desconfiada.
— Talvez tenha caído no escritório. Se eu achar te ligo para contar quem foi.
— OK. — sorri afirmando. Joguei a caneta sobre o balcão após assinar o recibo e peguei a caixa em mãos. Supus que pelo peso e tamanho, houvesse uns dez livros ali.
— Kendra?
— Sim? — o olhei com atenção após dar uma olhada na caixa.
— Seria ousadia te chamar para sair? — sorriu sem jeito ao lançar o pedido.
Acho até que ele demorou tempo demais para fazê-lo e ainda assim, confesso que não estava pronta para ouvi-lo. Felipe e eu tínhamos uma amizade forte, gostava de compartilhar algumas coisas da minha vida com ele, só que eu morria de medo da nossa relação se transformar em algo embaraçoso. Ele era um grande amigo e nada a mais. Sentia que ele gostava de mim de um modo diferente e isso chegava a me assustar.
— Como amigos?
— Claro!
Sua voz não falhou. Observei ele com atenção por alguns segundos, queria ter certeza de que ele não estava nutrindo esperanças comigo. A caixa começava a pesar meus braços então decidi dar uma resposta logo.
— Onde?
— No restaurante Plaza. Mas, se quiser posso te buscar em casa. Não tem problema algum.
— Obrigada, Fê. Mas ainda tenho pernas. — rebati com aquele sorriso cínico.
— E que belas pernas! — jogou de volta o sorriso.
— Besta! Leve seus olhos felinos para longe de mim. — ri caminhando até o balcão. Seus olhos eram o auge de tudo o que havia de bom nele. Eram de um castanho dourado de dar inveja em qualquer Edward Cullens da vida.
— As oito é muito cedo?
— Oito e meia. — o olhei sobre os ombros.
— Fechado. Até mais!
Não virei para responder, continuei andando até o final das prateleiras onde havia uma mesa pequena e coloquei a caixa sobre ela. Meu coração deu uma leve agitada. Era sempre essa a emoção de pegar um livro novo em mãos, era quase como ter um filho.
Olhei em direção ao balcão para localizar a tesoura e a encontrei sobre o teclado do computador, fui até ela e peguei em mãos. Rasguei o lacre da caixa. Mordi os lábios ao abrir e ver dez obras nacionais embaladas em um plástico transparente e sem nenhuma amostra de violação. Novos em folha.
Peguei os quatro primeiros em mãos e percebi que eram da mesma autora. Passei os dedos com delicadeza na lombada e li o nome da autora Carina Rissi junto do nome do livro. Havia ganhado toda a série Perdida lacrado. Sorri em felicidade, não tinha muitas obras nacionais na biblioteca.
Levei os livros até a prateleira que correspondia ao seu lugar e lá deixei. Os outros livros pertenciam à mesma autora, Paula Pimenta. Porém, faltava o último volume do livro Minha vida fora de série. Fiquei um pouco frustrada mas, não poderia reclamar. Todos os livros de Fazendo meu filme estavam ali e isso era de longe o melhor presente que já havia ganhado. Os peguei e fui colocá-los junto dos livros da Carina Rissi na prateleira três, dei um sorriso meigo ao ver aquelas belas obras e senti o coração chacoalhar assustado no peito.
Não havia reparado que tinha mais alguém na biblioteca além das meninas que faziam seus trabalhos quietinhas na sala de estudo, o rapaz de terno e gravata parecia concentrado na escolha de seu livro. Logo de perfil reparei na estrutura muscular de seu corpo. Olhei para mim mesma e em seguida para ele, desejei ter perdido alguns meses frequentando academia. Na certa, um corpo turbinado igual o dele lhe chamaria a atenção.
Agora era hora de colocar minha imaginação em ação, sonhei tantas vezes com uma cena dessas que quando ela realmente aconteceu, minhas pernas travaram. Coçar a nuca em um gesto desesperado e nervoso foi pouco se comparado com as borboletas que dançavam em meu estômago.
Eu só precisava focar nas palavras que sairiam da minha boca. Não era nenhum bicho de sete cabeças mas, naquele momento parecia. Eu poderia puxar assunto, perguntar qual o gênero que ele procurava. Quem sabe eu poderia dar alguma sugestão. Dei alguns passos em direção ao balcão e encostei minhas costas no mesmo.
— Posso ajudar?
As palavras foram lançadas da forma mais doce que eu consegui, o coitado do rapaz poderia ter diabete com tanta melação. Olhou para mim de relance e voltou a passar o dedo nos livros, eu quis me aproximar mas isso já era demais para mim. Olhou em minha direção novamente e fitou-me com afinco. Quase enruguei o cenho em resposta, já não estava gostando da forma como me olhava.
— Quero conhecer o lugar onde levantarei minha futura empresa!
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Destino Escreveu
RomanceKendra Bennet adaptou-se muito fácil com a rotina da biblioteca. Rotular livros, registrá-los, organizá-los e manter as prateleiras limpas sempre a deixava feliz. Mas, quando um homem misterioso chega a cidade querendo demolir seu lugar sagrado para...