LARANJA

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A biblioteca municipal era enorme, tinha três andares, mais de dez mil livros no seu acervo, e novos chegavam todos os dias, o país das maravilhas para os amantes dos livros. Agora que estou de férias, vou lá diariamente, exceto aos domingos que está fechada. Chego geralmente por volta das dez da manhã e volto para casa as cinco, levo meu potinho de biscoitos de morango e meu leite para me manter alimentado durante todo o dia. Lá há uma área específica para leitores, tem enormes pufes coloridos e cadeiras de balanço, é simplesmente um sonho. Geralmente leio um livro por dia, dependendo do tamanho até dois. São meus alimentos da alma.

Porém a história que vou lhes contar aconteceu no outono de 2016 aqui no Alasca, o alaranjando das folhas secas coloria as ruas até a biblioteca, a caminhada levava aproximadamente meia hora, geralmente estava frio, então não havia riscos de chegar lá todo suado.

No caminho passava pela antiga locadora, que mesmo com o ápice da tecnologia se recusava a fechar, era legal ir lá às vezes e alugar um filme para assistir em casa no velho DVD.

A loja de doces era um convite aos olhos, à vitrine era um paraíso para os amantes dos doces, e um pesadelo para os diabéticos, a sorveteria contava com centenas de sabores do tradicional chocolate até a sopa da vovó. A banca de jornal sempre estava atualizada, as notícias mais fresquinhas do país estavam estampadas nas manchetes. A escola fundamental nunca estava em silêncio, os risos e gritos espalhavam a alegria das crianças ao redor.

O MP3 era meu parceiro fiel nessa caminhada, às músicas variavam dependo do meu estado de espirito, iam desde o pop ao indie. Às vezes encenava meu próprio clipe na rua, parecia um louco, mas um louco feliz.

Depois de meia hora finalmente chegava a minha segunda casa, meu forte de livros, minha zona segura pelas próximas sete horas. Quando estava no palácio dos livros, além de ler meus livros, procurava estabelecer novas amizades. Lá era o lugar perfeito para conhecer pessoas maravilhosas.

Certo dia conheci uma garota que morava com sua vó em uma fazenda de coelhos, lá elas tem aproximadamente mil coelhos, ela disse que no início os coelhos eram maravilhosos, até que um dia , dois deles roeram o livro favorito dela. Como seres tão fofos podem ser tão malévolos. Eu posso ser considerado um coelho, adoro devorar os livros, cada um tem um gosto, uma textura, um aroma diferente, cada um tem sua particularidade.

- Boa tarde Heitor – A atendente da biblioteca, a Sra. Piper levanta-se, ela é super simpática, ela adora livros de romance, todos os dias está com um diferente, talvez seja para preencher o vazio em seu coração. Seu esposo morreu no exército, mas ela tem encarado isso de uma forma super positiva – quantos livros pretende ler hoje? – ela vai até o armário pegar meu crachá, aqui na biblioteca todos os usuários usam um crachá.

- Pretendo ler só um, mas com certeza será de terror – ela me entrega o crachá.

- Boa leitura! – ela volta a sentar-se e continua seu livro.

Vou em direção ao guarda volumes, é extremamente proibido entrar com bolsas na biblioteca, títulos já foram roubados, e isso é um prejuízo enorme para o acervo. Os armários são vermelhos, ficam dentro de um quarto enorme, os que estão livre ficam com a chave pendurada na portinha, você coloca seus pertences, fecha, leva a chave consigo, e antes de ir embora refaz todo o processo ao contrário. O armário que achei disponível foi o 202, pelo visto a biblioteca estava bem movimentada naquele dia.

O térreo era composto por livros para estudo, biografias, artigos e etc... Eu mesmo passava reto por ele, ia direto em direção ao elevador que ficava ao fundo da sala, meu destino, era o terceiro andar, onde toda a ficção, o terror, o romance, o suspense se encontravam. Nunca gostei de ler livros inspirados em fatos reais, gostava de viajar na ficção, visitar lugares que nunca poderia ver na vida real, conhecer seres e personagens inexistentes.

Ao chegar ao terceiro andar, fui em direção da seção do terror/suspense, eram três estantes apenas para esse tema, a escolha do livro era o processo mais demorado, poderia levar no mínimo trinta minutos. As escolhas estavam bem diversificadas, iam de todos os gostos, desde os mais sangrentos como sexta feira treze, a os mais psicológicos como caixa de pássaros. Depois de muito ler o rodapé dos livros, decidi ficar com Donnie Darko. Nunca assisti ao filme, porém, na maioria das vezes, o livro é mil vezes melhor que o filme.

Sempre me sento nos pufes perto da janela, mas antes de começar a leitura vou até a máquina de café, isso que é o legal. Temos café de graça! Basta você trazer sua xícara e voilá café quentinho para apreciar com o seu livro. E não há coisa melhor quando chove, aquele friozinho, o café, um livro bom é a combinação perfeita.

Dirijo-me até um dos pufes coloridos, já com meu café e livro em mãos. A cor que escolhi para sentar-me hoje foi roxo – minha cor favorita - tomo o primeiro gole de café e estou pronto para começar a minha leitura. Até que o sininho do elevador toca, o elevador chega a o terceiro andar, algumas pessoas saem de dentro dele. O andar esta normal, nem tão cheio nem tão vazio.

Até que vejo aqueles cabelos ruivos passando na minha frente, aquelas sardas nas bochechas, sua camisa listrada azul e seu jeans desgastado, seus sapatos all-star, e uma xicara de panda não mão, ele está esperando uma garota terminar de encher sua caneca para enfim poder encher a sua, sua vez chega. Ela não completa, enche até a metade. Até que ele se dirige a sessão de ficção científica e some por alguns minutos.

Não sei o que me atraiu naquele garoto, só sei que nunca senti algo assim, um rebuliço no meu estômago, um frio no coração. Até que alguns minutos depois ele sai da floresta de estante e caminha em minha direção. Ele sorri. 

Ele sorriu pra mim!


O Garoto da Biblioteca I Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora