AZUL

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Eram três da tarde, as nuvens cinza ainda cobriam o céu até o horizonte, a velocidade do vento havia diminuído, as cortinas agora pareciam crianças brincando com um bambolê, os pássaros já estavam libertos. A quantidade de pessoas diminuíra pela metade, seus estômagos imploravam que retornassem para casa para reabastecê-los, o meu implorava, não com tanto fervor, mas implorava. Ele poderia esperar que eu terminasse esse capítulo.

No terraço há um jardim, com pequenas árvores e um canteiro de orquídeas, existem oito banquinhos de metal, um de cada cor diferente, e no centro uma grande árvore – artificial, convenhamos que não há estrutura que aguente raízes de uma árvore gigante. Lá é meu cantinho do lanche, todos os dias exatamente às três e meia da tarde, pego as escadas e vou à floresta dos livros.

Me dirijo à escada perto do elevador, e começo a subir os degraus, um por um, o corrimão da parede esquerda é vermelho, não um vermelho brilhante, e sim um fosco, sem vida, sem alma, até mesmo sem cor. As paredes brancas são cheias de traços abstratos negros, que vão do chão e se desfazem no teto, como se o pintor tivesse ficado sem tinta e resolveu deixar o trabalho assim mesmo.

A porta no fim das escadas, que dava acesso à floresta, era vermelha, mas tinha um vidro transparente bem no meio, ela abria para o lado exterior, nunca me esqueço das dezenas de vezes que tentei puxá-la.

Duas ou três pessoas estavam nos bancos, algumas liam, outros apenas observavam a vista da cidade. O vento havia diminuído sua velocidade ainda mais, agora estava uma brisa agradável. A árvore central era tão realista que demorei algumas semanas para notar sua falsidade. Bastava você chegar perto e suas folhas mal feitas de plásticos se mostrariam. Mas na minha imaginação aquela era uma árvore que havia desfiado os limites de arquitetura e havia se cultivado por si só, porque queria observar a cidade dia e noite.

Sento-me em um banco azul, não é bem azul, eu gosto de chamar essa cor de "quando misturamos azul com verde", que a propósito é minha cor favorita. Só quando sento-me que do conta que o lanche ficou na mochila dentro do guarda volumes.

Escadas. Terceiro Andar. Elevador. "Trim". Segundo Andar. Primeiro Andar. "Trim". Térreo.

Não posso dizer que corri, apenas andei rápido, parecia que havia perdido o trem mas não queria demonstram desespero. Entro na sala do guarda volumes.

"202...202... onde diabos está esse armário" penso comigo mesmo. Até que finamente o acho.

Abro. Há um post-it, amarelo, colado na porta, além da minha bolsa, pego e leio:

"Espero que tenha gostado do livro"

Eu...é...não tenho reação, coloco o pequeno papel amarelo no peito, aperto e suspiro. Em seguida coloco-o no bolso.

Abre mochila. Pega lanche. Fecha mochila. Corre - anda rápido. Elevador. "Trim". Térreo. Primeiro Andar. Segundo Andar. Terceiro Andar. "Trim". Escadas. Corrimão vermelho. Porta com vidro. Terraço.

Está tudo acontecendo tão rápido. Como ele sabia o número do meu armário? Não que eu tenha achado ruim o bilhete, pelo contrário. Mas que é estranho é. Olho para os biscoitos de morango, eles me chamam. O leite incrivelmente ainda se encontra gelado. Talvez pelo ar-condicionado, o fato de não ter calor humano constante na sala do guarda volumes deve ajudar a manter a sala mais fria, e consequentemente, meu leite.

Enquanto mastigo um dos biscoitos não posso deixar de notar as crianças da escola fundamental saindo. A visão da escola era ampla, aquela cena me trouxe uma nostalgia, era tudo tão bom, tão calmo, não tínhamos preocupações, nem estresse, não precisávamos fazer coisas extraordinárias para agradar alguém, e podíamos ser nós mesmo.

Dois biscoitos já foram.

Os andaimes na construção do novo shopping também estavam à vista. Grandes e imponentes, seus movimentos são fluídos, o que dá a impressão que tem vida própria, é como se estivessem dançando. Dançando a melodia do vento, das nuvens cinza, dos poucos e fracos raios de sol que com muita força conseguiam atravessá-las. Uma dança de trégua, entre a tecnologia e a natureza.

Falta um, o último gole de leite está reservado.

E finalmente as colinas, cercavam toda a pequena cidade, raramente saímos além das colinas verdes, pareciam um mar que cercava a cidade. Como se estivéssemos presos naquele mar. Uma prisão que a própria natureza tivesse nos sentenciado.

Termino.

O sono toma conta do meu corpo, o tempo frio e confortável não ajudam a situação. Desço para o terceiro andar. O livro ainda está no mesmo local onde o deixei, o resto de café na xícara com certeza já esfriou. Coloco o potinho dos biscoitos – a garrafa está dentro – ao lado do pufe, sento-me e continuo minha leitura.

Ele ainda está aqui. Vejo-o no balcão de locação, pelo visto não conseguiu terminar o livro amarelo. Ele se vira em minha direção enquanto a atendente faz o procedimento padrão. Ele levanta sua mão, não muito só até a cintura e acena. Eu aceno de volta. A moça o entrega o livro. Ele entra no elevador. "Trim". Aporta fecha-se.

Há pouquíssimas pessoas no terceiro andar agora. No máximo dez. O zelador está limpando o piso entre as prateleiras, não está tão perto de fechar. Mas acho que adiantar o trabalho deve ser algo bom.

As cortinas estão paradas. O vento resolveu dormir. E eu, sem quere também.

- Senhor – uma mão chacoalha meu ombro – senhor já iremos fechar.

- Oh –meus olhos ainda estão pesados – desculpe.

Havia pego no sono. Só estava eu e a moça no terceiro andar. Levanto-me, pego minhas coisas, ao passar pelo balcão, deixo o livro sobre ele, tentarei termina-lo amanhã. Entro no elevador que me leva para o térreo.

Vou até o guarda volumes. Pego minhas coisas, e coloco a chave no seu devido lugar.

Caminho até a recepção, entrego o crachá a Sra. Piper, ela me diz algo sobre ter uma boa noite, mas minha cabeça está doendo e não entendo muito bem apenas respondo:

- Boa noite Sra. Piper.

Ao sair da biblioteca o ar quente da noite me abraça, e lá vamos nós de volta para a casa.


O Garoto da Biblioteca I Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora