Unicamp, Campinas, Brasil, 1 de Fevereiro de 1999
Eu sentia o vento na minha cabeça recém raspada. Era meu primeiro dia de aula na faculdade dos meus sonhos: a Unicamp. Logo que entrei pelos portões já fui recebido pelos veteranos da faculdade e seus tradicionais trotes, entre eles estava Guilherme Mantovanni, ou depois de algum tempo de conversa, o Gui. Gui se tornou um de meus melhores amigos nesse dia.
Me chamou para o canto enquanto pedíamos dinheiro em um semáforo próximo ao Campus. Me deu uma camiseta que dizia "Viva o Brasil dos brasileiros" em letras garrafais feita com um tipo de spray.
- Você quer que eu agradeça? - indaguei encarando a feição de superioridade de Guilherme.
- Não - disse ele com uma gargalhada divertida - quero que você vista a camisa e tire as calças, você fará história e vai ter que representar a maior história do Brasil.
- Não entendi - estava começando a me sentir ridículo com ela camisa enorme e sem calças - qual é a maior história do Brasil?
- O índio, parceiro! - disse Guilherme com uma satisfação no rosto - vamos vingá-los um dia, junto com inconfidentes e outros separatistas que...
Fomos interrompidos por uma correria que cortava a avenida. Eram os estudantes de Medicina que faziam uma marcha sinistra de humilhação. Guilherme atravessou a rua e foi junto aos outros veteranos, enquanto eu permaneci no semáforo pedindo dinheiro, sem calças.
**********
Unicamp, Campinas, Brasil, 4 de Agosto de 1999
Faziam dois dias que o recesso havia acabado e Guilherme ainda não havia aparecido. Muitos na sala falavam que era estranho ele não estar lá. Perguntei a sua namorada o que havia acontecido.
- Ai Be! Nem me fale dele - disse com os olhos cheio de lágrimas - No começo do recesso ele me procurou e disse que não queria mais nada, e que tinha uma outra pessoa.
- Sinto muito Marie! - respondi, pousando minha mão sobre seu ombro.
Não posso esconder que sentia algo por Marie, mas sempre respeitei Guilherme o bastante para me afastar dela. O fato deles terem se separado me gerou muito mais temor do que alívio, pois Marie era quem controlava o temperamento explosivo de Guilherme. Sem ela por perto, ele sairia de controle em seus devaneios revolucionários.
Voltei para a aula e não conseguia me concentrar, pensando em como e onde Guilherme estava. Foi quando um aluno que não me lembro o nome entrou às pressas e sentou-se ao meu lado.
- Era você que estava atrás do Gui, né? - perguntou ofegante - Bom, acho que vai querer dar uma olhada nisso.
- O que é isso? - perguntei encarando uma folha de papel dobrada ao meio que ele me oferecia.
- É um e-mail de Guilherme à reitoria da Universidade, acabei de imprimir na biblioteca. - respondeu, ainda ofegante.
Quando ele saiu na mesma rapidez que entrou, eu abri o papel:
"Prezados,
Venho por meio deste declarar meus profundos pesares por não acatarem meus pedidos em favor de nossa causa. Sabeis que somos legitimados pelos crimes metropolitanos de outrora, e que vós sois responsáveis por nosso sigilo como patrocinadores de nossa causa.
Contudo, ignoreis as nossas súplicas? Eis que verão o despertar dos oprimidos e a caça aos opressores.
A cada um de nós tombado, renasce a chama de nossa revolta.
O Brasil será dos brasileiros!
Guilherme Mantovanni
CWO"
Guardei o e-mail no bolso. O que seria "CWO"? Que súplicas eram aquelas? Por que aquela formalidade na escrita?
Essas questões permearam meus pensamentos durante todo o dia. À tarde, saí da universidade e fui até minha casa, que ficava à dez minutos do campus. Assim que entrei ouvi o telefone tocar.
- Alô - atendi
- Be, o Gui... morto em frente a Abadia de Winchester. - dizia Marie em meio a soluços - o corpo... Marcado com uma letra grega.
Deixei cair o telefone, não podia acreditar naquela notícia. Guilherme morto em um outro país. Fechei a porta de casa e corri para o carro, dirigi por cerca de trinta minutos e cheguei a casa de Marie.
Ela abriu a porta de casa e correu em minha direção aos prantos.
- Calma Marie, calma Marie. - era a única coisa que eu conseguia dizer naquele momento. Em partes porque estava preocupado com o estado de choque de Marie e, por outro lado, porque eu não estava calmo o suficiente para pensar em outra coisa para dizer.
Entramos na casa de Marie, a sala era escura e estava bastante bagunçada com papéis por toda parte e livros espalhados pela mesa de jantar. Marie não falava uma palavra sequer, me conduziu até seu quarto e entrou no computador que, depois de algum tempo carregando, abriu a Caixa de Entrada do servidor de e-mails de Marie. O e-mail mais recente havia sido enviado por Guilherme. Cliquei para abri-lo. Não havia nada escrito, nem no corpo, nem no assunto, mas havia uma imagem anexa. Era o corpo de Guilherme nu com os olhos negros esbugalhados, colocado em formato de cruz na frente da Abadia de Winchester. A foto estava escura, parecia ter sido tirada à noite, mas enxergava-se duas marcas no peito de Guilherme: "A " e "Ω". Quando olhei atentamente para aquelas letras Alfa e Ômega não entendi, apenas fiquei mais confuso.
Liguei para a polícia e pedi para que viessem até a casa de Marie. Após vinte minutos os policiais chegaram e fizeram-nos uma série de perguntas sobre Guilherme e seu comportamento. Retiraram a CPU de Marie e levaram para a viatura. E após cerca de uma hora meia o único policial que havia permanecido na viatura o tempo todo, até então, adentrou a casa de Marie com o rosto aborrecido.
- Infelizmente senhorita, confirmaram que o corpo da foto é o de Guilherme. - as palavras dele nos cortaram - O Brasil já está em contato com as autoridades locais através do consulado.
Marie desabou no chão desacordada. Ajudei os policiais a levá-la até o Hospital das Clínicas, no campus da Unicamp. Permaneci ao seu lado na cama hospitalar a noite toda.
Na manhã seguinte um representante da Polícia Civil chegou ao hospital e me chamou para fora do quarto onde Marie estava.
- Como ela está? - perguntou o oficial.
- Se recuperando do choque. - respondi, esperando o porquê daquele policial estar ali.
- O melhor agora é vocês recomeçarem, aparentemente Guilherme foi assassinado porque reagiu à um assalto e o ladrão fez uma crueldade com os dados da conta do e-mail que estavam na carteira dele. - sua voz mostrava um certo descontentamento em ter que me contar aquilo. ― A conta de e-mail de Marie foi apagada e ela não precisa mais se preocupar com isso, cuidaremos de tudo.
Acenei com a cabeça e vi o policial se distanciar pelo corredor do hospital. Ouvi Marie murmurar no quarto, corri até lá.
- Bom dia Marie, Como está se sentindo? - perguntei com um sorriso no rosto.
- Melhor, Be - respondeu-me forçando um sorriso.
Naquele momento eu olhei bem no fundo dos olhos pretos de Marie, passei a mão nos seus cabelos e disse.
- Eu vou cuidar de você, e nós vamos superar isso!
Ela respondeu apertando minha mão carinhosamente.
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Não sou um assassino
AvventuraBernardo Rodriguez é um reconhecido professor de história com uma vida pacata. Durante uma palestra em Londres sua esposa, com quem é a casado à 15 anos, é sequestrada. Ele se vê em uma guerra de interesses obscuros que o levarão ao seu lado mais s...