Dia Sombrio

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Sandra jamais simpatizou com o calor, principalmente com aqueles dias quentes de verão em que sair de casa sem protetor é um pedido para desenvolver queimaduras de sol. O suor grudento sobre a pele, o mau cheiro causado pelas reações químicas em nosso corpo, a claridade excessiva, tudo isso sempre foi descartável para ela. Mas naquele dia 13 de fevereiro, em um mês onde os índices de temperatura estavam lá em cima, Sandra não esperava presenciar o que agora enxergava além de sua janela. Deveria ser de manhã, ela mal tinha consciência da noite anterior, mas àquela altura, quando acordou de um longo sono sem sonhos, já deveria ter raiado o dia. Lá fora, no entanto, nenhum sinal do sol, e não somente ele havia desaparecido, mas toda a vida na Terra também.

O celular não funcionava, as lâmpadas não acendiam. Além das paredes daquela casa só se via escuridão. As nuvens do céu haviam sido mergulhadas em graxa. As cores vivas do verão haviam desbotado para um preto e branco sem qualquer charme aparente. O ar cheirava a mofo e, ainda por cima, fazia frio. Tudo havia virado de cabeça para baixo. Nada ali fazia o menor sentido. Onde estavam as pessoas? Àquela hora, já deveria haver movimento e barulho por toda a cidade, mas tudo o que se via era um estático dia sombrio onde sequer era possível enxergar claramente o que estava além de alguns poucos metros.

Tornava-se insuportável permanecer diante daquela janela sem sequer fazer alguma coisa, por isso a jovem mulher decidiu que seria sensato sair para procurar entender o que poderia ter acontecido enquanto esteve dormindo. Cobrindo a janela com uma cortina pesada, ela abandonou a sala e foi até seu quarto no interior da casa, guiada pela mísera iluminação que emanava de objetos que até um dia atrás seriam incapazes de realizar tal proeza. Ali o silêncio tornava tudo tão perturbador quanto um quarto poderia ser, ainda assim ela ignorou o impulso de deixar o lugar e caminhou até o guarda-roupas, retirando de lá um aconchegante moletom que procurou vestir o quanto antes para se aquecer. Não deu certo. Seu corpo já não produzia mais calor, em vez disso liberava frio.

Um arrepio lhe correu a espinha. Aquele lugar não estava fazendo bem a ela, no entanto, antes de sair do quarto ela tentou uma última vez ver as horas no despertador que repousava sobre a estante ao lado da cama, mas os ponteiros ainda se recusavam a girar. O aparelho sequer havia despertado mais cedo, no horário de sempre. Ela teria perdido as primeiras aulas do curso naquele dia se a faculdade estivesse em funcionamento, mas ela duvidava que estivesse.

Era segunda-feira, no entanto era improvável encontrar professores e alunos vivendo normalmente com toda aquela áurea sombria sobre a cidade. Nenhuma alma viva deixaria a segurança de sua casa com o mundo girando ao contrário. No entanto, Sandra não podia imaginar permanecer ali trancada com um mistério daqueles em andamento, logo ela que desde sempre foi movida pelas engrenagens ocultas da curiosidade.

Ela dirigiu-se de volta ao corredor que era a espinha dorsal da residência. Já pronta para abandonar o lugar, ela se conteve e olhou em volta num impulso ancestral de defesa. A casa, antes confortável e convidativa, apresentava agora uma energia diferente: como um hospício décadas abandonado, ela exprimia um horror há muito incrustado em cada uma de suas paredes. Haviam sinais de insanidade humana por todo lado, sinais que não estavam ali realmente, porém eram quase tangíveis. Sandra estava sofrendo alucinações?

Ela já não sentia-se bem dentro daquela casa, estar era como estar em uma garganta gigante de algo ou alguém tendo ânsias de vômito. O ambiente a expulsava, a empurrava para fora pela única saída disponível: a porta da frente. A residência era protegida por grades de ferro em cada janela que poderia levar ao lado de fora.

Não aguentando mais permanecer ali, Sandra apressou o passou pelo corredor que ecoou suas passadas pesadas sobre o piso de madeira. Ao alcançar o hall de entrada, ela apanhou as chaves que descansavam penduradas no cabideiro próximo a porta. Esta era feita de madeira e adornada com um vidro fosco que tornava possível enxergar o lado de fora, ainda que de forma tosca.

Demorou um pouco, tempo suficiente para ela encaixar a chave na fechadura para ser exato, porém ela se deu conta de que algo a aguardava além daquela porta, então ela se deteve antes de abri-la.

Ainda com a mão segurando o simpático chaveiro em forma de átomo — tão deslocado naquele ambiente, ela observou com cautela aquela criatura que só poderia ter escapado de um antigo pesadelo infantil. Estava esperando de pé em frente à casa, tinha a mesma altura que ela, contudo seu corpo era grotesco e asqueroso, ainda que os detalhes estivessem esmaecidos pelo vidro da porta que distorcia sua imagem. Apesar disso, era fácil perceber que aquilo não era humano.

Sandra, momentaneamente paralisada diante daquela visão, não sentiu qualquer medo, no entanto não podia disfarçar sua aversão. Com o rosto contorcido de nojo, ela cobriu a boca com uma mão e com a outra retirou a chave da fechadura. Deu as costas para aquele monstro repulsivo e levou consigo, cravado na memória, o seu olhar incandescente, penetrante e impassível.

A criatura permaneceu lá fora, estagnada, enquanto ela escondia-se em qualquer lugar dentro da casa, atormentada por um pensamento: havia algo de familiar naquela criatura, alguma ligação íntima que a conectava à Sandra, porém aquilo era inconcebível!

A jovem não se preocupou com a possibilidade de o monstro invadir sua casa, mas isso não era necessário, pois a criatura humanóide continuou na entrada, observando calada, sem nem mover um único membro. No entanto estava viva — Sandra sabia e, mais que isso, ela sentia.

O hospício tornava-se real a partir de então, e Sandra era a tal louca enviada para habitá-lo.

Recado:Capítulo pequeno, não é mesmo? Os seguintes seguirão o mesmo ritmo, com o intuito de não tomar muito do seu tempo

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Capítulo pequeno, não é mesmo? Os seguintes seguirão o mesmo ritmo, com o intuito de não tomar muito do seu tempo.
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