Revisado por: Maurício Kanno
Narrado por: Afrodite
Não sabia se seria um fardo tão grande para mim em ser a deusa do amor, mas acabei aceitando. Quando tinha quinze anos morava com meus pais em Atenas, Grécia e foi um choque para nos três ao vir Zeus surgir dentro de casa como um raio iluminado e também ouvi-lo dizer que eu era a reencarnação de uma divindade.
Eles me amavam e ficaram comigo por um tempo, mas meus poderes cresceram muito, eles se assustavam com a minha presença e com o aroma intenso de rosas que se espalhava por toda a casa. Com medo da minha transformação e do descontrole sobre minhas forças, eles decidiram me abandonar e fugirem para outro país da Europa. A deusa do amor, a partir daquele momento descobriu o sabor da rejeição; de meus amáveis pais.
Não nasci em uma família humilde, infelizmente, pois saberia viver sem a ajuda de empregados e chefes de cozinha. Depois que eles se foram, por receio, tive que me virar na limpeza da casa e com a comida, mas a maioria das vezes, por ter queimado o almoço ou o jantar, comprava Delivery.
Não fazia sentido em morar em um Olimpo depois que meus pais me deixaram para trás com uma imensa conta bancária e em uma residência tão grande que daria para viver muitas famílias desabrigadas. Como sabia que não viveria mais ali, conversei com uma imobiliária e doei para a Igreja Católica local; as irmãs cuidavam de muitas crianças que não tinham família e essa casa enorme teria mais uso para eles do que para mim.
Fui falar com as irmãs, Simony e Maria Amélia, no entanto, elas não sabiam de mim, mas sentiam o poder à minha volta.
— Talvez Ele esteja chamando-a, não concorda Irmã Simony? — disse a Irmã Maria Amélia. Uma mulher de hábito rosa claro, de rosto arredondado, olhos escuros, pele negra e iluminada.
— Irmã... — tentei dizer, mas a Irmã Simony respondeu com um sorriso tão doce e radiante:
— Filha, escute. Se vir por acaso uma luz, nossos braços estarão sempre abertos. Sabemos que você tem algo especial para compartilhar com nossa igreja. Caso ouça o Vosso chamado, não hesite em nos visitar.
Eu sabia que ninguém me chamava naquele momento, pois teria sentido algo. O caso ali era que eu estava mais para uma divindade como Ele e não outra coisa.
Enquanto caminhávamos pelo convento, notei que nas paredes encontravam-se belos quadros de representações da bíblia, era bonito observar a devoção deles com aquela religião. Cada imagem, com detalhes incríveis que deixavam meus olhos brilhando, emocionada. Não sentia inveja, apenas ficava feliz por saber que no mundo existia fé.
Testemunhar a graça ali, não me fazia inferior, mas sim me fazia pensar que eu era somente o amor e o Deus dos católicos regia por tudo e sobre todas as coisas; Ele, portanto, tinha mais poderes e lições para espalhar do que a mim.
Parecia que todos temiam o meu amor ou tinham receio de se aproximarem de mim, mas não ali no convento. Assim que as Irmãs me levaram até a Madre Júlia e ela ao conversar comigo sobre a casa e a papelada, me disse algo, em certo momento que me deixou muito pensativa:
— Deus tem um propósito maior para cada filho seu e que se o seu não é ser uma freira como as Irmãs, provavelmente a luz que você emana de seus olhos tem outros objetivos maiores.
Gostaria de saber qual seria esse objetivo, pois o meu objetivo maior, naquele instante, era sair dali e comer algo em algum fast-food mais próximo. Após finalizar tudo com a Madre, as papeladas, me despedi de todas e fui à busca de Cheese burguer, batatas fritas e Coca-cola.
Sentei em uma das mesinhas da loja que comprei minha comida e pensei por um momento nos meus pais, em como eles foram infantis de me deixarem sozinha e desamparada. Agora que tenho 18 anos, posso me virar sozinha, ao menos para viajar e usufruir do dinheiro em minha conta por um tempo, até me estabelecer e conquistar um emprego.
Meu avião sairia às duas horas e a manhã de segunda-feira parecia infinita.
Na verdade não tinha ideia para onde ir e Atenas era uma cidade belíssima, deixá-la para trás me traria saudades futuras, mas precisava ter uma vida um pouco mais normal, antes que outra pessoa da cidade me reconhecesse e se apaixonasse por mim. Os amores induzidos nunca terminavam bem, pois quem se apaixonava por mim, morria. Tenho dom de dar o amor, mas não tenho o dom de recebê-lo em troca. Droga de poder!
Comi minha refeição e olhei para o relógio Carmim em meu pulso; hora de seguir para o aeroporto e decidir em qual avião entrar – comprei várias passagens aéreas, caso quisesse em cima da hora ir para outro lugar, todas as outras se cancelariam automáticas assim que eu entrasse em um dos aviões.
Andei pelo aeroporto com uma pequena bagagem e com a mão cheia de carnês de viagens, tropecei em uma instalação no meio do pátio ao qual não tinha visto. Queria ser a deusa da sorte àquela hora, mas o azar me perseguia sempre.
Todas as minhas coisas caíram ao chão, à tela de meu celular trincou-se inteira — qual o motivo de eu não ter comprado uma tela de proteção para ele?! Ah, esqueci sou uma deusa, das mais idiotas, claro.
Guardei meu celular na bolsa, irritada, junto das passagens aéreas e papeladas, ficando apenas uma passagem ao chão; peguei-a e li. Los Angeles. Descobri com o destino que lá seria meu novo lar.
Dormi a viagem toda, para falar a verdade, a única coisa boa em ser uma deusa é que tinha a graça de ser recompensada com sonhos tão radiantes quanto às estrelas que iluminam os planetas no universo.
Sonhei dessa vez com um rapaz de peitoral nu deitado em minha cama, seus cabelos eram incomuns, não tinham fios, mas sim folhas verdes e aveludadas. Seu sorriso iluminava o quarto banhado de ouro e seda, e seus olhos violetas me deixavam sem ar, mas como em todo sonho bom, fui incomodada.
— Senhora, me desculpe, mas o avião chegou a Los Angeles à meia hora. Seja bem-vinda! — disse a aeromoça com um sorriso desconcertado ao notar minha irritação e descontentamento.
— Obrigada — respondi, educada e guardando dentro de mim a raiva.
Peguei um táxi assim que desci saí da plataforma e perguntei ao motorista se ele conhecia um hotel legal para ficar. Ele olhou bem para mim e disse que sabia onde encontrar um digno de minha beleza.
Entrei no carro, em silêncio, não daria muita atenção para ele. No percurso, o taxista quase bateu nosso carro umas quinze vezes, por procurar tanto no retrovisor o meu reflexo, ele prestava mais atenção dentro do carro do que no trânsito.
Ao chegarmos ao Hotel Vingarggio, cinco estrelas, paguei a corrida e fui em direção ao lobby, sem demorar nem mais um pouco. Meu apartamento seria o 145 e ficava no quinto andar. Segundo a recepcionista, era um dos melhores vagos ali.
Não me preocupei muito com isso, pois o que precisava muito no momento era de um banho e sentar de frente para uma janela aberta.
Precisava muito de ar.
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O retorno das auras sombrias e da escuridão - conto
Short StoryEle retornou... Adônis, e elas o querem, a todo custo! Afrodite e Perséfone... duas deusas olímpicas; uma reencarnada e outra conservada pelo mármore do inferno. Quando deusas reencontram o belo recém-renascido de uma árvore, Adônis, elas procurarão...