O relógio indicava que eram 7 PM. Eu gostaria de estar atrasada. Meu corpo levanta fácil da cama, minhas mãos passeiam pelos meus cabelos, colocando-os para trás, preocupada com o que está acontecendo, com tudo o que tem acontecido nos últimos anos. Entro no banheiro, não acendo a luz porque sei que está sujo. Não tenho muito tempo para limpá-los, trabalhando no Bra's pela manhã e estudava aos finais de semana não sobrava muito tempo. Com o tempo que sobrava à noite eu trabalhava no Webiston Pub, porém fui despedida ontem. O inverno não é uma época boa em Miami, e os Webistons eram numerosos o suficiente para deixar o negócio em família. Não consigo dormir, não tirei ainda o uniforme do Bra's e não sei se conseguirei fazer muito mais que pensar na situação em que me encontro. Decidi limpar o banheiro. Tiro o uniforme para não sujar e começo a limpá-lo de roupas íntimas. Não tenho roupas velhas, assim como também não tenho novas. Um exercício físico talvez me ajude a esquecer que, sem o salário que eu ganhava até ontem no Webiston, não será possível pagar o aluguel e as despesas esse mês. Preciso arrumar outro emprego durante à noite.
Eu estava no caixa quando Mary apareceu atrás de mim.
- Vá limpar a mesa 11 e está liberada para ir pra casa.
Olhei no relógio, eram quase 6 PM, fim de expediente.
- Acho que há algo pra fazer na cozinha... Será que posso ficar até mais tarde?
Mary me olhou com certa piedade. Não gostei do olhar dela, mas antes que ela pudesse falar algo foi interrompida por Gary.
- Sabe muito bem que não há nada mais pra fazer, o movimento já está fraco, você ainda fica pedindo todo dia pra fazer hora e...
- Chega, Gary. – Mary o censurou. Só nesses momentos sei por que ela se casou com esse homem barrigudo e ranzinza: ela conseguia mandar nele. – Infelizmente, essa semana não há movimento e não estamos precisando de ninguém no segundo turno, América.
- Certo.
Fui em direção à mesa 11 com a intenção de limpá-la quando ouço gargalhadas vindas da porta. Esses clientes provavelmente iriam incomodar bastante. Quem sabe, com sorte, a Mary voltasse atrás e me convidasse a trabalhar além do expediente.
- Ai, não acredito, olha só como você cresceu, Marizinha!
- É América. – Corrigi, incrédula com o que via. Era Tara, alguém com quem trabalhei em uma lanchonete em Des Moines quando tinha uns 17 anos e minha mãe ainda era viva.
Tara era bonita, loira, de olhos claros, corpo bonito e era extremamente simpática. Sempre chamou atenção. Era justamente o tipo de pessoa errada para trabalhar como garçonete: chamava a atenção dos homens, principalmente dos universitários folgados. Sempre admirei a maneira como ela não se importava tanto com as investidas deles: ela correspondia a elas. Nunca se importou em levar um tapa no quadril, ainda aproveitava a oportunidade para flertar. Sempre bem humorada, sem se preocupar com sua situação financeira e com o aparente descaso por parte da família dela. Depois que saí da loja pra me mudar de Des Moines, não retomamos contato. E agora a vejo aqui em Miami usando saltos 15 cm, uma blusa decotada, cabelos platinados e próteses de silicone de, no mínimo, 350 ml.
- Tanto faz, queridinha. – Ela analisou meu corpo. – Está muito bem, por Deus, não acham, meninas? – Ela perguntou ao punhado de garotas atrás dela, nas quais não conseguia prestar a atenção devido ao excesso de brilhos e bijuterias. Inclusive nem acho que eram todas garotas. – Mas vejo que continua trabalhando nesses lugares...
- Não tenho muitas opções, Tara. Mas pra você, pelo visto, a vida deu mais oportunidades. – Digo isso olhando para a Luis Vuitton que ela carregava.
- Depende do ponto de vista, lindinha. – Ela falou sentando em uma mesa.
Aproveitei para anotar os pedidos.
Entreguei os pedidos na cozinha, tirei minha touca e avental e fui buscar minhas coisas pra ir embora. Saí pelos fundos, porém, de qualquer forma, acabo passando em frente à lanchonete, e dessa vez, quando fiz esse percurso, Tara saiu correndo de dentro da lanchonete para me abordar.
- Ei, queridinha, já acabou o expediente nessa budega? – Eu assenti. – E... deixa eu adivinhar, tá indo pro segundo emprego já? Eu sei disso porque ninguém paga porra nenhuma nesse país trabalhando só em uma lanchonete.
- É claro que você sabe. Porém, não, não estou indo pra um segundo emprego, perdi o meu na semana passada. Aliás, estou procurando algo, se souber...
- Iiiiiii, não vai achar muita coisa nessa cidade durante o inverno.
- É, estou percebendo isso.
- Olha, eu trabalho com algo que não para nunca. Nem aqui nem em lugar nenhum. – Ela sorriu de maneira convencida.
Não sabia do que ela estava falando, mas, devido às minhas condições, fiquei interessada.
- Com o que você trabalha?
- Então, eu presto serviços a algumas pessoas...
- Que tipo de serviços? – Perguntei intrigada.
- Ai, querida, como você é direta, chega a ser grosseira. – Ela abaixou o tom da voz e aproximou seu rosto do meu. - Serviços sexuais.
Eu dei um passo para trás.
- Não!
- Ei, não tem nada demais com isso, okay? Eu e todas aquelas garotas ali dentro trabalhamos com isso e todas deixaram os diversos empregos de garçonetes e afins pra sobreviver com isso. E estamos todas muito bem!
- Sim, mas à custa de vender o próprio corpo?
- E você tá usando o seu, por acaso, trabalhando em dois empregos pra pagar as contas? E, me responda uma coisa, estão pelo menos pagando as suas contas?
Tara estava falando comigo como se eu fosse uma criança, incapaz de compreender algo lógico. A ideia me causava repulsa e, por mais educada que eu desejasse ser com Tara e com a situação delicada dela, não conseguia esboçar outra reação além de repulsa. - Eu sei que não paga suas contas, eu vivi isso, esqueceu?
- Não sei se você viveu isso tanto quanto eu, você ainda tinha os seus pais...
- Meus pais? Nem sei onde estão. Devem estar fazendo mais filhos, minha mãe com o meu pai e meu pai com todas as mulheres que encontrar. – Ela tentou se recompor. - Olha, sei que a ideia é difícil de aceitar assim de primeira...
- É impossível de aceitar. – Eu rapidamente adicionei. – Olha, Tara, eu realmente agradeço a preocupação sua de estar voltando aqui pra falar comigo, de se preocupar em me oferecer um serviço e tudo mais, mas realmente eu não penso em aceitar esse tipo de oportunidade.
- Mas acho sinceramente que você irá. – Ela afirmou com convicção. Por um momento fiquei com receio. – Se não aceitar, acabará se arrependendo. Não vale sobreviver à vida do jeito que fazíamos antes, América, do jeito que você ainda faz!
Não gostei do que ela disse.
Mas isso não significava que não era verdade. A vida nunca foi fácil pra mim e para minha mãe enquanto ela era viva, sempre estivemos preocupadas em sobreviver a cada dia desde que me conheço por gente. Nunca tive pai, nem sei quem é, e minha mãe não teve o apoio dos pais, os quais também não conheci. Morreu jovem, e eu ainda não tinha 19 anos quando isso ocorreu. Desde então me mudei para Miami e tento sobreviver um dia após o outro, pagando o aluguel, pagando as despesas da casa e comendo, em um país que está cada dia mais quebrado e difícil de se viver.
- Queridinha. – Ela adotou seu famoso tom. – Só falo porque você é linda e seria um desperdício te ver ficando velha e gorda limpando mesas em lanchonetes enquanto eu SEI que você poderia estar fazendo mais dinheiro de maneira mais fácil.
- HÁ, fácil.
- Fácil sim, pode trabalhar bem menos e ganhar bem mais, fora que você pode se divertir também... – E soltou um sorriso malicioso.
- Muito obrigada, Tara, agradeço mesmo a sua preocupação, mas agora eu tenho que ir procurar mais um emprego no qual eu possa ficar velha e gorda à vontade.
Ela me segurou e me deu dois beijos no rosto, sussurrou algo no meu ouvido sobre eu pensar melhor e colocou na minha bolsa um cartão seu.
- Se mudar de ideia...
Não joguei o cartão fora porque não tinha a intenção de me livrar do contato de Tara, afinal de contas ela fora minha amiga.Hoje, tudo o que precisava era tomar banho, porém me desesperei ao ver que o chuveiro queimara novamente. Eu não sei se teria como comprar qualquer coisa esse mês, o salário no Bra's só pagava o meu aluguel. As minhas tentativas de encontrar algum emprego durante o outro expediente eram inúteis, e o salário de uma garçonete é o mesmo em qualquer lugar.
Eu tinha muita vontade de fazer algo diferente. Queria poder estudar em uma faculdade melhor ou, de alguma forma, desenvolver uma profissão. Sei de alguns programas dos quais o governo disponibiliza de forma gratuita, mas como eu iria encontrar tempo pra participar de qualquer um deles? Preciso trabalhar em dois empregos, não tenho condições e não tem ninguém com quem dividir meu apartamento e minhas despesas. Só se eu trabalhasse pouco e ganhasse mais, o que se encaixa mais ou menos bem com o que Tara me disse. Não quero pensar nisso.
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behave yourself
Teen FictionApós ter que optar por um caminho difícil e questionável para sobreviver sozinha, América foi sequestrada, e agora é refém de um assassino, que a mantém por razões desconhecidas. Não é como se ela realmente se importasse, até porque ele parece ter a...