Parte 9

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1 ano depois


Seguro minha cesta de flores rente à cintura enquanto caminho pelo mercado. O dia hoje está lindo: não há uma nuvem no céu e uma brisa fresca agita meus cabelos. É primavera e eu tenho vendido tantas flores que mal dou conta do serviço.

Apesar de ter deixado tudo sobre meus dias no palácio para trás, eu ainda me lembro bem do que aconteceu. Já faz um ano, afinal.

Rei Otavius faleceu devido a um repentino ataque do coração durante a invasão dos rebeldes, liderados pelo marido da senhora Agatha. Eles permitiram que o príncipe Theo se casasse com a princesa Sunsung e assumisse o trono, desde que tivessem influência no conselho real. Como muito sangue foi derramado na noite do ataque, acho que aceitar esse acordo foi uma atitude sábia da parte do príncipe herdeiro - ele manteve a vida e a posição, no fim das contas. O povo ficou de luto pela morte do antigo rei, mas voltou a se alegrar com a celebração do casamento e da coroação do novo monarca.

E, bem, as coisas voltaram ao seu ritmo habitual para a maioria das pessoas ao meu redor.

Exceto para mim.

A última vez que vi o Capitão DeVil foi naquela madrugada do ataque ao palácio, quando nos encontramos na sala de chá. Ele me disse que me levaria para casa e cumpriu sua promessa, pois logo na manhã seguinte fui escoltada de volta à minha casa na aldeia. Era tudo o que eu mais queria e até hoje não sei explicar exatamente como me senti ao retornar - aliviada, em paz, livre. Senti que estava retornando aos braços dos meus pais.

Numa noite, porém, acordei chorando. Respiração instável. Coração disparado. Imediatamente me lembrei da voz aveludada do Capitão me acalmando, me dizendo para me concentrar no ar entrando e saindo de meus pulmões. Lembrei-me de seu toque rústico e ao mesmo tempo terno. De seus beijos repentinos que me tiraram o fôlego. E o choro noturno se repetiu inúmeras vezes. Uma tristeza sem razão tomou conta de meus dias e eu encontrei nas minhas flores uma maneira de me distrair. Eu me perguntava todos os dias como ele estava, a ponto de divagar imaginando o que ele estaria fazendo enquanto eu pensava nele.

Aos poucos, minha tristeza foi diminuindo até se aconchegar no canto mais escondido do meu ser. Parei de chorar todas as noites. Evitei ao máximo pensar no Capitão DeVil. Voltei a vender minhas flores e a passear pelo mercado para rever antigos amigos. Encontrei até mesmo um comprador generoso chamado Joxer, que sempre vinha todo fim de tarde ao mercado para comprar rosas amarelas. E, quando dou por mim, um ano se passou.

Cubro meu rosto para protegê-lo do sol e continuo minha caminhada agradável pelo mercado. Paro para comprar sementes e fertilizantes e como uma fatia deliciosa de torta na barraca de Humberta, a confeiteira. Bandeirinhas coloridas chamam minha atenção e eu me lembro num estalo de que é a Semana das Flores novamente. Nessa mesma época, há um ano, eu fui levada pelo rei Theo ao palácio para ser sua - sejamos francos - concubina e fui mantida lá contra minha vontade.

Suspiro, olhando para as bandeirinhas agitadas pelo vento. Não importa o quanto eu tente esquecer, o que vivi jamais será apagado.

Sigo andando até ouvir o som de risadas e brados animados, vindos da praça principal. Ah, é mesmo, artistas fazem encenações ali para celebrar a primavera e entreter os passantes que vieram ao mercado para a Semana das Flores. Ciente de que estive aqui há um ano, eu me misturo à multidão para assistir ao que parece uma reprodução do casamento real - a atriz que interpreta a rainha Sunsung tem o traseiro e o busto protuberantes de maneira muito exagerada, o que me faz rir. O povo não gosta muito dela, apesar de ser leal ao rei Theo.

Cruel: uma volta no tempo (spin-off)Onde histórias criam vida. Descubra agora