Parte 1

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     Meu nome é Rose e eu nasci, cresci e vivo no povoado de Vallahar.

     Tenho dezessete anos.

     Perdi meus pais no dia do meu aniversário de dez anos, durante um terrível ataque dos rebeldes à nossa aldeia e desde então tenho me cuidado sozinha. Cultivo flores no quintal da pequena cabana onde vivo desde que nasci e vendo-as no mercado, para me sustentar e - principalmente - comprar tintas e papel para que eu possa desenhar. Meu maior sonho é ser a desenhista real e ir viver no palácio, onde farei retratos das famílias nobres que ficarão marcados na história da nação.

     Hoje é o primeiro dia da Semana das Flores em nossa aldeia, o que quer dizer que venderei muitas flores para casais apaixonados e amigos que desejam se presentear com rosas, lírios e orquídeas. Visto minha melhor roupa - o que não passa de um vestido turquesa desbotado que era da minha mãe - e prendo meus cabelos numa longa trança que roça meus quadris quando balanço a cabeça. Eles são da cor do sol, lisos e escorridos como fios de ouro e eu sou a única pessoa em toda a aldeia que possui cabelos claros assim. Quando ando pelo mercado, atraio olhares curiosos e até hostis de pessoas que não entendem por que eu sou a única diferente. Na verdade, nem eu mesma entendo.

     Aprumo-me diante do pequeno espelho oval e deixo meu quarto minúsculo. Minha cabana tem apenas três cômodos: meu quarto, a pequena cozinha e o cubículo que serve como banheiro. Minha família nunca teve muitas posses e essa foi a única propriedade que eles puderam comprar. Embora seja pequena, é acolhedora e eu a conheço como a palma de minha mão.

    Como um pouco de mingau numa tigela de barro que meu pai esculpiu há vários anos e bebo água. É o meu café da manhã. Então pego minha cesta e corro para o quintal, para colher as flores que venderei hoje. Sorrio ao ver que minhas rosas amarelas desabrocharam.

     Assim que chego ao mercado, sinto-me instantaneamente animada. As barracas coloridas, os diversos cheiros de comida e as vozes estridentes dos vendedores me fazem sentir que estou em um mundo totalmente diferente daquele onde só conheço a solidão de minha cabana. Enquanto vendo minhas flores no mercado, parece que sou parte de algo maior.

     Um jovem casal se aproxima de mim e vejo a moça olhar admirada para minha cesta de flores. Ela é alta, bonita e traja um vestido laranja de tecido fino. Talvez pertença à nobreza. O homem veste uma túnica azul bordada com fios prateados e botas polidas. Com certeza da nobreza.

     - Que flores cativantes! - suspira a dama, segurando o braço de seu companheiro. Ela olha para ele com carinho. - Compre-me um ramalhete, meu noivo?

     - São três moedas de cobre - digo, sorrindo.

     O homem permanece inexpressivo, mas tira algumas moedas de sua pequena bolsa de veludo vermelho. Só então ele parece olhar realmente para mim e seu semblante muda. É a mesma coisa com todos que veem a cor de meus cabelos pela primeira vez.

     - Aqui - ele me entrega as moedas, olhando-me com certo receio.

     - Obrigada, senhor - eu sorrio ainda mais, para tentar suavizar a situação. Então olho para a moça e vejo que ela só tem olhos para as flores. - Que flores a senhorita gostaria de levar?

     Como uma criança encantada, ela escolhe as flores que acha mais bonitas e as leva sem olhar para mim uma única vez. Felizmente, esse tipo de coisa não me afeta mais. É comum que nobres venham passear pelo mercado para esquecer de suas preocupações e chateações da corte, e eles quase sempre olham para nós, camponeses e aldeões, como se fôssemos mobília - quando olham. Para eles, o propósito de nossa existência é servi-los e apenas isso.

Cruel: uma volta no tempo (spin-off)Onde histórias criam vida. Descubra agora