A saga de Heleno

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Heleno a conheceu em maio do ano passado, na época ela era ruiva, sua vida era uma bagunça, mas ele via inocência nela. Era uma criança que brincava com o desconhecido. Foi um amor breve, mas intenso. O relacionamento dos dois acabou a pouco mais de um ano. Depois disso ele se tornou imortal. Sempre foi um bom lutador, mas agora estava imbatível, seus adversários quase não o tocavam, ir à lona parecia impossível. Em pouco tempo alcançaria fama mundial.

Sua maré de sorte ia além da arena, numa tentativa de sequestro falha dispararam dezoito vezes em sua direção, nenhuma bala o acertou. Bêbado, jogou o carro numa árvore, nenhum arranhão. Isso até ele acordar febril, era um sinal, estava na hora de visitá-la, seja lá o que o protegia, tinha perdido o efeito.

— Você tem certeza disso, se me lembro bem, você falou que ela era uma louca inconsequente — falou Marcelo, seu treinador e agenciador —, louca e jovem demais, ela tinha o que? Dezesseis anos?

— Dezessete e foi depois daquela época que minha sorte aumentou. Eu tenho que fazer isso. Eu irei visitá-la.

— Você não está bem, ir ao médico é o que devia fazer. Não vou tomar parte nisso. — Marcelo era um homem cuidadoso, não obteve sucesso em seus tempos áureos e agora apostava tudo em Heleno, mas sabia que ele não estava considerando uma segunda opinião.

Uiara morava num bairro distante. O jovem lutador não se sentia bem, sua febre aumentara, seu corpo parecia pesado, suas pálpebras clamavam para se fechar, sentia frio e suava. Remédios pouco ajudavam. Demorou cerca de uma hora para chegar ao bairro que ela morava, ainda que fizesse parte da cidade que nasceu, o lugar parecia ter uma arquitetura própria. As ruas seguiam um padrão aleatório, as casas muitas vezes se desencontravam. O local era bem arborizado, suas árvores, porém, eram estranhas e retorcidas, pareciam confrontar as paredes dos casebres abandonados. Toda aquela visão caótica somada ao sol forte dava vertigens em Heleno.

Ele não se lembrava se antes aquele bairro era tão decadente, a casa dela que antes era a mais florida, agora parecia obscura, as trepadeiras que se espalhavam pelas paredes morreram, o caminho de tijolos amarelos que levava à porta estava despedaçado, as flores, murchas.

A porta estava aberta, ele não fez cerimônia para entrar. A guirlanda que ficava na porta, sempre florida, estava encostada num canto.

A casa por dentro parecia como qualquer outra, exceto pela ausência de televisão e a grande quantidade de ervas e especiarias na cozinha. Ela não gostava de assistir, achava entediante. Preferia ler, e lia muito, sua coleção ocupava duas paredes da sala e em todos os cômodos haviam livros espalhados.

Ele a encontrou na cozinha.

— Oi querido, estava te esperando.

—Eu não estou bem.

—Também estava com saudades! É sempre assim, somem, nos odeiam, nos discriminam até precisar de nós. E não estou falando apenas pelas bruxas — ela lhe entregou o chá que estava preparando —, beba isso, vai aliviar sua febre.

— Como você s... está diferente!

— Pintei o cabelo, gostou?

Não era apenas seu cabelo loiro, ela engordara alguns quilos, suas sardas evidenciaram o surgimento de algumas rugas precoces. Ela não parecia apenas mais madura, parecia ter envelhecido uns sete anos! Ainda era uma mulher muito atraente, mas ele não entendia como isso era possível.

— Sim, sim. — Heleno falou enquanto bebericava o chá amargo. — O que aconteceu com esse lugar?

— É a época do ano, as coisas tendem a definhar para então se reerguerem. Claro, alguns vizinhos foram embora e isso ajudou a dar esse tom triste.

Insônia e outros contosOnde histórias criam vida. Descubra agora