Insônia e outros contos

Num dia qualquer, um outro Silva

Acordou ao primeiro toque, mas ficou ali por mais cinco minutos, o coração fraco não estava preparado para o alarme. Vários da família morreram de infarto, essa seria a sua sina.

Ao levantar, deixou a cama desarrumada, não fazia sentido arrumar se só voltaria para casa para bagunçar de novo. Ao acender a luz, ouviu o som do bater de asas de uma mariposa, nem sequer olhou para cima. O banho acabou com qualquer fragmento de sono.

Foi preparar o café e tirar o único tênis de trás da geladeira, não estava muito seco, com certeza daria chulé, mas tinha que usar assim mesmo. Não tinha certeza se a camisa estava limpa também, estava no guarda-roupas, mas poderia ter sido guardada depois de usada, não importava, dos problemas esse seria só mais um. O perfume disfarçaria qualquer vestígio de suor. Na pele, ardia, talvez fosse alergia, mas tinha custado caro, mais de cinquenta reais, não pode deixar de lado, ainda resta um quarto do frasco.

Não gostava do espelho, se achou feio, as roupas, o rosto e o cabelo, sabia que lá fora todos também o achariam feio, era uma verdade difícil de aceitar, só olhariam para ele em último caso. Feio e pouco inteligente, carisma e sorrisos amarelos não bastam para o mundo.

Sentou-se na cozinha, seu desjejum foi café preto e pão dormido, coisa rara, geralmente é só o café preto. Ao enrolar o fone de ouvido, ferramenta que o afastava dos sons da realidade, notou que um lado estava estragado, hoje não se distrairia. Terminou seu café e encheu outro copo, pra segurar a fome até o almoço, tomou o outro copo com pressa, os minutos eram contados. Viu na parede a mariposa, não sabia por quantos dias ela estava naquela parede, já a tinha visto outro dia, não lembrava quando, deixou-a onde estava, era apenas outro bicho feio e só.

Levantou e foi dar inicio ao seu dia, ser um Silva qualquer, invisível na multidão.