Capítulo 2

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Desde que eu postei o capítulo 1, há uma semana, eu escrevi um monte, então acho que vou começar a postar duas vezes por semana. ;)

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Capítulo 2


Era quase meio dia quando eu acordei no dia seguinte, mesmo sendo uma quarta-feira e eu estando acostumada a levantar as seis da manhã durante a semana. Só que eu tinha deitado tarde e, dessa vez, não tinha nenhum compromisso. Nem ninguém esperando algo de mim e me fazendo levantar cedo.

Depois da morte da minha mãe e da minha irmã, meu pai me fazia levantar cedo todos os dias, até nos fins de semanas, para estudar. Eu querendo ou não. E eu permiti que ele fizesse isso, porque percebi que isso fazia com que ele levantasse da cama também.

Mesmo depois da fase depressiva ter passado, ele me fazer acordar cedo se tornou rotina, e eu continuava permitindo, sem reclamar. Tinha pena do meu pai. Ele agora parecia ser uma sombra do homem forte e imponente do qual eu me lembrava na infância.

Com a morte súbita do único ser remanescente da minha família, o meu pai, algo que não me pegou tão de surpresa porque ele estava com a saúde fragilizada há anos, eu fiquei sozinha no mundo. Parecia que todos os meus planos, todos os meus sonhos, não se realizariam mais. Eu não tinha como pagar o aluguel, nem as contas atrasadas, e não sabia o que fazer. Teria que arranjar outro lugar para viver e largar a faculdade.

Era como se um buraco enorme se abrisse na minha frente e o mais fácil seria simplesmente me atirar dentro dele. Mas eu não queria isso. Eu devia fazer mais, e ser mais, como meus pais queriam que eu fosse.

Eu estava chorando com o aviso de despejo em mãos, um papel branco escritos em letras vermelhas garrafais, lembro disso com nitidez mesmo tendo se passado alguns anos, sentada na escadaria do meu prédio quando o Jonatas apareceu. Nós éramos vizinhos de porta, e de vez em quando a gente se encontrava e conversava. Mas nunca fomos íntimos a ponto de eu imaginar que ele me socorreria naquele momento.

Eu me senti muito grata quando ele me convidou para passar alguns dia com ele, já que ele tinha um quarto extra, até que a minha situação se resolvesse. E eu fui, levando poucos objetos pessoais comigo. Eu não tinha muita coisa e os móveis pertenciam ao apartamento que era alugado. As roupas do meu pai, que eram poucas também e a maioria muito velha, eu doei.

O Jonatas me estimulou a continuar estudando. Ele sabia que aquilo era importante para gente, tanto para mim quanto para o meu pai. E o meu vizinho era uma das únicas pessoas com quem eu costumava ver meu pai conversando.

Inclusive, o Jonatas às vezes nos convidava para assistir o futebol que o pacote de televisão que ele assinava incluía. Nós não tínhamos esse luxo. E nessas horas, quando torcíamos com o vizinho que era muito mais novo do que o meu pai e apenas quatro anos mais velho do que eu, meu pai me lembrava do cara que ele costumava ser. Quando gritava e comemorava cada gol. Ele parecia até contente. Por isso, eu que não era tão fã de futebol, ia sempre ver o jogo com eles e fazia até pipocas para a gente.

Éramos um grupo um tanto eclético, nós três. E a diferença entre os dois apartamento era gritante. Enquanto nossos móveis eram velhos e só tínhamos o essencial, o apartamento do Jonatas esbanjava luxo e conforto. Ele era bem "filhinho de papai", tinha uma família que bancava todas as suas contas enquanto ele estudava, mas que era meio distante. Acho que apesar do luxo ele se sentia sozinho, por isso nos convidava.

Mas hoje eu acordei, aqui nessa cidade desconhecida, e estava sozinha. E foi bem estranho. Me dei ao luxo de acordar ao meio-dia e percebi, naquele momento, que eu não precisava agradar mais ninguém. Exceto, talvez, a mim mesma. Só que eu ainda tinha que descobrir como fazer isso.

Sabor de liberdade (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora