O Perdão

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- Vocês se conhecem?
A diretora Lúcia perguntou.
Miranda e eu nos afastamos e secamos nossas lágrimas.
- Miranda foi minha professora – eu expliquei.
O ar de compreensão tomou conta da face de Lúcia.
- Então creio que você não se incomodaria em apresentar a instituição para a nossa nova docente.
- De forma alguma, dona Lúcia.
Foi combinado que assim que eu acabasse de dar aula, iria perde dar aula, iria percorrer toda a extensão do colégio com Miranda. Enquanto eu concluía a minha aula, as duas finalizavam documentos pendentes na direção.

❥ ❥ ❥

Caminhamos pelos três andares do grande prédio. O colégio era particular e era um dos mais renomados e conhecidos de Minas Gerais. Enquanto andávamos e eu apresentava os laboratórios, salas, quadra de esportes, sala de música e tudo o mais. Me senti tensa pela presença daquela mulher. A mesma mulher que me enfeitiçara com seus encantos como uma sereia enfeitiça um marinho à beira mar. A mesma mulher que partira meu coração em pedaços, estava agora, depois de seis anos, disposta à minha frente e agia como se nada entre nós tivesse acontecido.
Precisava ter respostas às minhas infinitas perguntas. Necessitava, de uma vez por todas, descobrir porquê ela havia desistido do nosso amor e por onde ela estava entre todos esses anos. Assim que terminamos de explorar o local, eu reuni coragem e a perguntei:
- Gostaria de tomar um café comigo?
Ela concordou com a cabeça.
- Com toda a certeza – ela aceitou com aquela voz aveludada que me deixava arrepiada ao ouvi-la.

❥ ❥ ❥

- Um café preto com açúcar, por favor.
O atendente anotou o meu pedido.
E a senhora?
Miranda procurava algo que lhe agradasse no menu.
- Vou querer um capuccino com bastante creme e com adoçante, por favor.
O moço que anotou nossos pedidos se retirou.
Percebi que ela estava tensa. Mexia no guardanapo à mesa em apreensão. Resolvi ser direta, pois não havia mais tempo a perder.
- Por onde você estava por todos esses anos? E como veio parar aqui?
Ela engoliu em seco, desviou o olhar, respirou fundo e finalmente mirou em meus olhos. Segurou em minhas mãos sob a mesa e disse:
- Há tanta coisa para lhe contar. Não sei como vou começar...
Me arrepiei ao sentir o calor do toque das mãos da mulher que amava. Naquele instante eu sabia, que não precisava de explicações para perdoá-la e tê-la novamente em minha vida.
- Pois então, comece do início.
Antes de Miranda começar a falar, o garçom chegou com nossos pedidos. Levei a xícara aos meus lábios e me deliciei com a bebida quente, enquanto a ouvia contar toda a sua história.

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NARRAÇÃO DE MIRANDA

Era como um sonho. Jamais pensei que teria uma outra chance de revê-la. De poder olhar diretamente em seus olhos e de lhe dizer toda a verdade.
Dolores havia sido minha aluna em um colégio no Rio de Janeiro. Nosso primeiro contato não fora dos melhores, pois ela era a aluna rebelde da classe e eu a professora rígida. Com os cabelos cor de púrpura, me enfeitiçou por completo. De repente me vi apaixonada, não pela Dolores aluna, e sim pela menina-mulher Lola. Pela diferença de idade, por sermos do mesmo sexo, por eu ter um marido; aquele amor era proibido, mas ambas não conseguíamos conter essa vontade de nos amarmos. Então fizemos isso secretamente.
Eu estava presa a um casamento falido há anos. Henrique era possessivo, ciumento e genioso. Por ironia do destino, a prima de meu ex marido era a nova esposa do pai de Lola. Logo me vi jantando à mesa com todas aquelas pessoas que não faziam ideia de que um romance entre professora e aluna estava acontecendo bem debaixo de seus narizes. Quanto mais eu me envolvia com Lola, mais apaixonada me encontrava. Decidi acabar com o meu casamento e dar um fim àquilo que já havia acabado há tempos. No final daquele ano, minha amada e eu resolvemos planejar uma fuga. Nosso amor fora interrompido pela sede de vingança de Henrique, e por um tiro disparado pela sua arma, que me atingiu no abdome. Ele conseguiu por fim me afastar de Lola.
Os dias de recuperação no hospital foram horríveis. Não ter notícias de Dolores foi pior ainda. Com uma visita inesperada de Lúcio, resolvi que o mais sensato seria dar um fim ao que sentia pela filha dele. Após a minha recuperação, escrevi uma carta de despedida contra a minha vontade, mas meu lado racional falava mais alto que o emocional. A entreguei ao meu porteiro e comprei uma passagem só de ida para outro estado. Fui para a casa de uma tia no interior de Minas Gerais. Dei o primeiro passa para construir minha nova vida.
Arrumei um emprego assim que cheguei no novo estado. Como eu havia vendido meu apartamento e os móveis, tinha dinheiro para ajudar minha tia com as despesas da casa. Morei com ela nos dois primeiros anos, mas depois procurei um apartamento na cidade urbana do estado.
Com a mudança, encontrei outro emprego. Lecionei em um colégio público por quatro anos. Eu amava meus alunos, mas o governo atrapalhava o progresso do colégio, por não dar verba suficiente. Um professor sem estímulo e apoio fica impossibilitado de dar uma boa aula aos seus alunos. Por este motivo e por outros resolvi trocar de colégio e por ironia do destino fui aceita para trabalhar no mesmo colégio que Lola lecionava.
Não sei dizer se fiquei mais surpresa por encontrá-la ou por vê-la sem os cabelos púrpura. Me surpreendi ao me deparar com uma versão mais madura e de cabeços pretos e cortados na altura dos ombros de Lola. Mas tive a absoluta certeza que era ela em minha frente. Os anos haviam se passado, mas o rosto com um ar angelical e os olhos amendoados juntos com os lábios carnudos continuavam os mesmos. Por um instante ignorei a presença da diretora Lúcia e nos abraçamos fortemente. Deixei minhas lágrimas lavarem meu rosto e desejei tê-la em meus braços para sempre. Agora que a tinha em mãos, faria o possível para não perdê-la. Ela era minha. Eu era dela. O destino havia deixado isto bem claro. Pois quando é para ser, não há nada e ninguém que possa impedir. Maktub; estava escrito.

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NARRAÇÃO DE LOLA

Bebi o resto do meu café e enquanto os neurônios do meu cérebro se esforçavam para entender tudo aquilo que eu tinha ouvido.
- Então, agora estou aqui tomando um café diante de ti e me perguntando como a vida é louca e se talvez esta seria nossa segunda chance.
Fiquei calada e engoli em seco. Miranda, assim como eu, estava surpresa com a ironia do destino e disposta a recomeçar do zero.
- E o que você me diz, Lola? Você me daria uma segunda chance?
O peso daquela pergunta pairou sob meus ombros cansados. O que eu mais queria neste mundo era poder reatar minha história de amor interrompida.

A Cor Púrpura de Teus Cabelos - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora